Tudo girava enquanto eu tinha uma máscara de oxigênio colocada em meu rosto.
- Michael? - murmuro, grogue, em busca de sua mão.
- Tá tudo bem, tá tudo bem. - ele responde, mas parece mais desesperado do que o normal.
Eu respiro fundo e sinto um frio absurdo correr por meu corpo, piscando várias vezes e tentando entender o que exatamente estava acontecendo naquele momento.
Foi tão rápido a forma como eles me carregaram para a sala de parto, alegando cesariana de emergência após fazerem um ultrassom. Eu não entendia nada do que eles diziam, tudo era tão difícil quando meu coração acelerava e a resposta não estava estampada no rosto de Michael. Ele parecia se segurar em algo imaginário, não físico, com os lábios se mexendo silenciosamente sem parar a cada instante e eu ali desejando que ele só me dissesse que tudo isso é porque eu realmente cometi o mico de fazer cocô no meio do chão.
- É pra fazer força? - balbucio, erguendo um pouco a cabeça na tentativa de enxergar o que acontecia entre minhas pernas.
- Não, querida. - Michael se abaixa na minha direção, negando também com a cabeça. - Não faça força ainda, só relaxe e respire fundo.
- O que está acontecendo? - pergunto, confusa.
- Ele é teimoso igual o pai dele, tá bom demais ali dentro. - seus dedos livres acariciam meus cabelos, o toque tão suave que parecia ter medo de me desfazer com ele. - É só isso.
- Não é muito cedo? Ele teria que ficar mais um mês pelo menos, não? - insisto.
- Mal... - Michael balança a cabeça, as sobrancelhas quase coladas no couro cabeludo. - Tá tudo bem.
Eu não entendia a razão dele ficar repetindo isso, mas algo acendeu uma luz vermelha na minha mente anuviada.
- Qual é o problema? - reelaborei a pergunta, encarando-o diretamente.
- Vamos aproveitar o tempo que vamos ter com ele Mal, tá quase lá. - sua voz fica trêmula por um instante, me fazendo pegar fôlego.
Não trocamos mais uma palavra até que o médico entregue um embrulhinho em nossos braços, imóvel e ainda meio sujo com os líquidos do parto. Michael não se aproxima de mim com ele de primeira, colando sua testa na dele e erguendo a cabeça no teto em uma tentativa de esconder algo de mim.
- Me dá ele, eu quero ver. - estendo um braço, me sentindo levemente nervosa. - Michael.
- É uma boa ideia? - ele pergunta isso para o médico, me fazendo correr os olhos entre um e outro.
- É bom para poderem dar um nome à ele antes de se despedirem.
- Despedir, como assim? - me apoio na cama pelos cotovelos, tendo a equipe de enfermeiras correndo para meu lado para me deitar novamente e ajustarem o posicionamento da cama para tornar-se inclinado para mim. - Dá ele aqui pra mim, dá o meu filho aqui. Agora.
- Olha ele aqui, esse é o nosso filho. - Michael o coloca ao meu lado e eu toco seu rostinho ao sorrir, imediatamente derretida por ele. - Não é lindo?
- Michael, ele é a sua cara. - ri, sentindo lágrimas de felicidade brotarem em meus olhos. - Oi filhinho querido, estou ansiosa pra te levar pra casa.
- Não podemos levar ele, Mal. - ele me olha com cuidado, quase afastando-nos. - Ele não vai pra casa com a gente.
- Por que ele não se mexe? - toco a mãozinha dele, de coração galopando dentro do peito como nunca antes havia feito. - O que tem de errado? Por que não podemos levar ele?
- Vamos escolher um nome pra ele, amor. - Michael puxa uma cadeira e se senta ao meu lado enquanto os médicos ainda estão no meio das minhas pernas escancaradas. - Bebê Gojou parece besta agora.
- Eu te disse. - arfei, tocando a cabeça dele por cima do cobertorzinho. - Ele tem cara de Rafael.
- Eca, Rafael não. - o nariz de Michael se retorce em reprovação. - Que tal Giuseppe?
- Por favor. - soltei uma risadinha, negando. - Filippo.
- Ah, eu gostei desse. - ele sorri, acariciando-o novamente. - Oi Filippo, Filippo Corleone. Hã, que charmoso. Você ia ser um cara bem charmoso, não é mesmo? Igual o seu papai.
Eu os observo e lágrimas de tristeza começam a rolar quando me dou conta do que realmente aconteceu.
Não trocamos mais uma palavra depois disso, apenas ficamos de mãos dadas e acariciamos Filippo pelo tempo que podíamos. Foram cerca de quinze minutos até tudo acabar e então eles me acomodarem corretamente na cama, fazendo com que Michael entregasse o bebê para mim logo que isso ocorreu.
- Quer segurar mais um pouco? - pergunta a enfermeira, com seus olhos gentis tentando mascarar a emoção que ela sentia. - Antes de levarmos ele.
- Não consigo. - soluço, ainda anestesiada levemente. - Eu não consigo nem olhar pra ele. - as lágrimas vão correndo como cachoeiras, empapando todo o travesseiro ao meu redor.
- Tá tudo bem, amore. - Michael mais uma vez me assegura. - Tá tudo bem, nós fizemos nosso melhor.
- Não, não tá tudo bem. - respondo-o, agarrando-me em suas mãos. - Michael, eu me odeio.
Dizem que não só a felicidade como a tristeza há de passar.
Eu só não sabia como fazer essa tristeza ir embora outra vez. Já foi difícil de primeira, quando eu perdi meu irmão, mas agora que estou na pele dos meus pais eu sequer consigo imaginar como foi difícil pra eles fazerem esse sentimento sumir. Ou nem mesmo isso, apenas... Abrandar-se? Será que um dia ia amenizar? Será que um dia eu ia me sentir menos impotente do que já sentia antes? Tudo ia tão bem, tudo estava dando tão certo, por que justo agora isso tinha que acontecer comigo.
Meus olhos corriam pelo semblante de Mallory inúmeras vezes e eu não conseguia formar uma frase sequer para justificar o que aconteceu, nem mesmo com as explicações médicas. Ela tinha uma expressão vazia, como se fosse uma casca abandonada e esquecida em um canto qualquer, totalmente partida por dentro. Como eu olharia para o ser que carregou o filho por tanto tempo, no próprio corpo, e diria algo daqueles pra ele? Como a faria sentir menos falha do que eu mesmo estava me sentindo? Eu tinha tantas perguntas, só não tinha nenhuma resposta. Queria pegar em meu próprio pescoço e me encher de porrada, tinha uma vontade insolente de bater no médico por apenas fazer o trabalho dele, queria ter uma justificativa de tudo ser tão injusto. Parece que não podíamos ter tudo na vida, então eu tentava negociar em segredo com alguém que eu nem sabia se existia. Pedia que levasse minha fortuna, que levasse a mim mesmo em seu lugar, que pegasse o que quisesse contanto que me devolvesse o que era nosso por direito.
O que amávamos mais do que a nós mesmos sem nem conhecer antes.
Mas a resposta para todas as minhas súplicas eram sempre as mesmas: o silêncio.
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Contrato: mãe por escolha ✔️
RomanceLIVRO 01 Um casinho em uma noite sórdida com um homem sedutor deveria terminar em ambos seguindo cada um a sua vida. Desde os primórdios da humanidade duas pessoas com desesperança e desejo se encontram e, deste encontro, surge uma história única qu...