Era uma noite turbulenta como nenhuma outra. Cada parte de terra era regada por gordas gotas de água que caíam do céu. A luz das velas estavam trêmulas com o andar rápido das empregadas, que se dirigiam apressadamente para um cômodo do castelo de onde um som agonizante vinha. Era difícil fingir que não se ouviam os gritos daquela mulher que normalmente se portava de forma tão digna e sentava no trono daquele feudo.
A rainha gritava como um animal machucado, e mesmo que aquele momento fosse algo precioso na história de qualquer mulher, não era nada bonito. Todos no castelo a ouviam, e sabiam que algo estava errado, até mesmo os cavaleiros nos estábulos e os que montavam guarda, procuravam esconder a agonia que sentiam pela voz da mulher em sofrimento.
O silêncio era a única forma de conforto.
— Está nascendo! Está vindo! Força Vossa Alteza! — Disse a parteira trocando os panos ensanguentados por outros limpos e fingindo que estava tudo bem.
A mulher na cama se contorcia de dor, até exaurir todas suas forças. Foram mais de 10 horas de contrações, e 4 de parto, e por isso, todos esperavam o pior.
Algo estava errado.
Contudo, contrariando o que todos esperavam, o bebê nasceu vivo. Logo o choro de uma criança preencheu os ouvidos daqueles que viviam no castelo. Até mesmo o rei, que nunca havia se importado com sua prole, ficou interessado ao saber deste filho que havia nascido naquela noite, porque aquela data era memorável: o solstício de inverno.
E além disso, a criança tinha nascido à meia noite.
— Veja minha rainha, veja sua filha!
A criança foi colocada nos braços da rainha, que ao vê-la soltou um grito tão alto e assustou a todos.
— Tire daqui! Tire ela da minha frente!
Ninguém entendeu porque a rainha dizia aquilo, e por isso ninguém a obedeceu. Porém, vendo suas empregadas paradas, Vossa Alteza empurrou o bebê ainda chorando e ensanguentado para uma criada, e avançou nos cabelos da outra continuando a gritar.
— TIRE DAQUI! TIRE ESSA COISA DAQUI!
A jovem mulher com a criança no colo, vendo o desespero da rainha, pegou uma toalha limpa onde enrolou o bebê nela, e depois, sumiu porta afora, carregando a criança, para que nunca mais fosse vista pela sua mãe.
Somente assim, a rainha se acalmou e desfaleceu na cama sem forças. As serviçais correram para atendê-la, e todos fingiram se esquecer da existência da criança.
Era triste para a criança, mas todos ali queriam manter suas cabeças coladas em seus corpos. E se fosse necessário esquecer uma criança para isso, eles fariam. Porém, após aquela noite, eles não conseguiram manter sua integridade física.
Aquela empregada, que saiu correndo com a criança, soube mais tarde que todas as mulheres que atenderam a rainha em seu parto sumiram, exceto a governanta que era como uma mãe para a rainha.
Os guardas que ouviram os gritos durante o parto, também desapareceram. Não sobrou ninguém que havia presenciado aquele nascimento a não ser aquela empregada que corria, a governanta, o bebê, e a rainha.
Segurando a pequena vida trêmula, a mulher correu pelas escadas, saindo do castelo e atravessando o jardim central. Correu como o diabo foge da cruz, e estranhamente, o bebê, pressentindo o perigo, se calou. Ela ia em direção a casa da criadagem, o lugar mais desolado de todo o palácio. A toalha branca que cobria o bebê, saiu voando com a pressa da empregada, que só notou o fato ao entrar em seu quartinho, que ficava no porão da casa dos servos.
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A Princesa e o Dragão
Historical FictionEm outro mundo, num passado longínquo, os humanos construíram uma sociedade distante da natureza, cercada por grandes e magníficas construções, que enchiam os olhos e o orgulho de quem as visse. Mas, o esplendor escondia o preço que foi pago para al...