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Os meus pelos dos braços estavam todos levantados por causa dos arrepios que aquela trovoada me estava a causar. Eu sempre fui amante de tempestades mas esta era tão grande e barulhenta, que parecia que os vidros se iam todos partir. 

A cama de Harry era perfeita: Quente, confortável, tinha o cheiro dele. O cheiro dele é tão caseiro e simples mas tão viciante, como uma droga. Harry. Não conseguia parar de pensar em como ele estaria, a dormir na sala. Estaria confortável? Estaria com frio? Com calor?  

A minha mente estava às voltas assim como eu. A cama era confortável mas eu não conseguia adormecer com o barulho e com Harry na cabeça. Eu estava preocupada com ele e com o seu bem estar, sobretudo depois de ele me ter ajudado tanto.  

Acabei por desistir e me levantar, sorrindo quando os meus pés tocaram o chão frio e a sua t-shirt se esticou até às minhas coxas. Eu estava tão feliz ao usar as suas roupas, tão feliz por ele me ter ajudado, tão feliz por o ter encontrado. Os meus pais não me saiam da cabeça mas isso era algo terrível para pensar às quatro da manhã. Respirei fundo e caminhei até à saída do seu quarto, entrando na sala.  

Harry estava sentado no sofá, apenas de boxers, olhando para a lareira à sua frente. Ele tinha um cigarro aceso nas mãos e o seu rosto mostrava uma expressão nula e vazia. O meu olhar viajou para o seu corpo, bem estruturado, parecia-me saudável, lindos desenhos cobriam a sua pele.  

"Eu também não consigo dormir." Ele disse, ainda a olhar em frente, fazendo-me dar um pequeno salto. A sua voz era bem mais rouca e grossa à noite, o que me fez arrepiar vezes e vezes sem conta numa questão de segundos. 

Harry chegou-se para o lado no sofá e eu caminhei lentamente até ele. Sentei-me ao seu lado e também eu observei a forma como as chamas se formavam na lareira, os seus estalidos misturados com o som dos trovões e da chuva lá fora. Claro que à minha mente me veio a ideia de colocar Ed Sheeran no telemóvel para ser a noite perfeita mas logo de seguida me lembrei que tinha deixado o telemóvel em casa. 

Harry, ainda sem me olhar, esticou-me o seu cigarro. Eu não queria repetir a experiência mas ao mesmo tempo, eu queria tocar em algo que já tivesse tocado a sua saliva e por essa razão, aceitei a oferta e sem pensar duas vezes, levei o cigarro à boca. Fechei os olhos e puxei o fumo, deixando-o um tempo na minha boca. De seguida, suguei-o um pouco mais e soltei-o de uma só vez. Não tossi, soube bem, foi relaxante.  

Sorri, orgulhosa de mim mesma, e voltei a puxar o fumo novamente, sentindo o sabor da nicotina na minha língua e viajar para a minha garganta. Não tinha um sabor espetacular, era como engolir fumo, mas não era também tão mau como imaginei. E era de facto relaxante. "Obrigada." Agradeci, entregando o cigarro de volta ao Harry. 

"Não tens que agradecer, se quiseres compro-te um maço." Respondeu. Ri enquanto abanava a cabeça e Harry virou-se para mim curioso. "De que estás a rir?" 

"Eu agradeci por tudo, não pelo cigarro." Respondi, encostando-me para trás no sofá, admirando a cor dos seus olhos, brilhantes, no escuro da noite. "Por me teres ajudado hoje. Não me perguntaste o que se passou nem o porquê de eu estar na rua à noite e à chuva. Trouxeste-me para tua casa e deixaste-me usar as tuas roupas e a tua cama." Quando dei por mim, um sorriso gigante apoderou- se do meu rosto, ainda não acreditando que isto era realidade. 

"Eu gosto de te ver com elas, ficam-te grandes e fazem-te parecer pequena e querida." Ele disse. O meu coração explodiu-me e quase me saltou do peito, as minhas pernas começaram a tremer e eu senti que ia guinchar a qualquer momento. "E é óbvio que eu te ia ajudar. Tens uma ideia assim tão má de mim?" 

"Tu não és propriamente de causar boas impressões..." Murmurei, acabando por rir. Harry continuava sério mas isso já não me espantava. Só o tinha visto sorrir uma vez e essa vez valeu-me por uma vida inteira. "Eu só não estava à espera de tudo isto, apenas isso." 

Harry assentiu e apagou o seu cigarro muito antes sequer de o terminar. Encostou-se também para trás, voltando a fitar a lareira à sua frente, e eu fiz o mesmo. Tudo o que se ouvia eram os estalos do fogo, a chuva lá fora e a trovoada que já estava mais longe e baixa. A sala estava quente, bom, quente o suficiente para nos aquecer. Estava tudo tão bem, tão sereno, eu estava a experienciar um momento tão simples mas tão bonito. 

"Às vezes eu paro por segundos apenas para pensar que um momento um dia vai ser uma das minhas melhores memórias." Disse. Harry provavelmente não me estava a ouvir mas eu queria dizer tudo em voz alta. "Uma vez fugi de casa e fui para a praia à noite. Era apenas eu e as minhas bolachas de chocolate. O barulho do mar, o céu, as rochas, a leve brisa que corria. Esse momento foi tão simples mas tão bonito para mim e eu irei sempre recordá-lo. Porque os momentos inesperados e simples são aqueles que ficam na nossa memória durante longos anos." Falei. Quando olhei para o lado, Harry tinha os olhos fechados, uma expressão angelical e serena.  

Sorri com a imagem e retomei a conversa, apesar de ele não estar a ouvir: "Eu penso muito sabes? Acho que pensar é o que me define. Eu penso sobre tudo, reparo em cada pequeno detalhe, imagino cada momento como uma fotografia. Eu reparo nos pequenos sinais nas pessoas, nas diferentes cores dos seus olhos, oh e sardas! Adoro sardas." Gargalhei. "E gosto de longas conversas à noite, gosto de praia, chuva, tempestades, fogo. Gosto de músicas calmas e do cheiro dos livros novos. Gosto de ser olhada de lado e de gozar mentalmente com as pessoas. E adoro discutir com ignorantes porque eles nunca entendem quando estou a ser sarcástica com eles." 

Calei-me por momentos, olhando a forma como o seu peito se movia para cima e para baixo de forma lenta, enquanto ele estava no mundo dos sonhos. Levei a minha mão ao seu rosto e deixei lá uma pequena festa, seguida de um doce beijo. Eu nunca o faria se soubesse que ele estava acordado mas eu tinha essa necessidade. Eu por alguma razão tinha um grande carinho por este rapaz, mesmo conhecendo-o há tão pouco tempo e da pior maneira. Ele parecia-me tão misterioso, cheio de segredos, com uma máscara a tapar o seu verdadeiro eu. 

"Aposto que na realidade tu até és um daqueles românticos que odeiam clichês. Esta frase fez sentido? Refiro-me aos românticos literários. Morrerias por alguém que amas, provavelmente a Carol. Provavelmente gostas também de noites assim de silêncio e de músicas calmas e tenho quase a certeza que adoras longos passeios a pé e de ver as estrelas. Eu conheço o teu modo de ser... Eu era assim na América sabes?" Sorri. "Eu não falava com ninguém e afastava-os com medo de rejeição. Mas o teu grupo de amigos... O meu." Corrigi-me. "Deixa-me tão à vontade e eu sinto que encontrei pessoas como eu." 

Respirei fundo e com cuidado, encostei a cabeça no seu ombro, não querendo acordá-lo. Fechei os olhos. "Eu quero conhecer-te melhor Harry. Eu quero ser tua amiga e quero que me recebas como qualquer outro membro do grupo. Quero que me digas bom dia e boa tarde, quero que me convides para saídas de grupo, quero que me deixes entrar na tua vida." Suspirei. "Eu deprimo muito à noite... Já deves ter reparado." Revirei os olhos e bocejei de seguida. "Quero mandar-te uma mensagem de boa noite e quero que me respondas de volta, talvez um «boa noite vaca» ou «boa noite princesa». Se bem que eu não pareço uma princesa, pareço mais uma bruxa... Podias sempre responder «boa noite princesa bruxa». Sim." Assenti. "Isso seria definitivamente perfeito." 

Novamente bocejei, sentindo o sono apoderar-se de mim, e fechei os olhos. "Espero que estejas tão confortável como eu estou Harry." Disse, já mais baixo, sentindo as minhas pálpebras pesar. "Espero que estejas bem..." Sussurrei.  

Bocejei uma última vez e deixei os meus olhos fechados. Inalei o perfume de Harry, misturado com o cheiro a tabaco, ao fumo da lareira, em parte a terra molhada por causa da janela um pouco aberta. "Boa noite Harry." Passei a língua entre os lábios.  

E o meu coração novamente quase me saltou do peito, quando ele respondeu: "Boa noite, princesa bruxa." 


{Este é sem dúvida um dos meus capítulos favoritos. É muito simples, é mais um monólogo do que própriamente um diálogo, mas eu acho que diz muito sobre a personalidade da Olivia e até sobre a do Harry. A Olivia revela coisas que gosta e que repara nas pessoas e até admite ser demasiado pensativa. E com o Harry, percebemos que ele por vezes é timido demais em situações como esta ou que simplesmente é fascinado pela forma como Olivia fala? ;)
Espero que tenham gostado, não se esqueçam de comentar!}

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