34 - Anchor up to me

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Com as pernas despretensiosamente apoiadas no colo de Sirius Black, enquanto descansava no sofá do salão comunal, Selena percebeu o quanto seu mundo tinha virado de ponta cabeça. Sirius deslizava os dedos lenta e delicadamente dos pés até as panturrilhas da garota, num ritmo constante, preguiçoso e desatento, enquanto lia uma revista de variedades, do tipo que a avó de Selena teria facilmente a mão em sua sala de chá. Ela tinha descoberto o quanto ele gostava de fofocas, muito recentemente. Selena riu sozinha.

Na verdade, aquele tinha sido um período de muitas descobertas sobre Sirius Black. Agora ela sabia que Sirius não era bom no xadrez, era muito impaciente, o que permitiu que ela ganhasse 70% das partidas que jogaram juntos. Sirius sabia tocar piano, mas não falava sobre isso, parecia ser um tópico sensível e ela já imaginava o porque. Quando era criança ele queria ser goleiro, mas logo na primeira vez que jogou quadribol percebeu que não era muito talentoso para isso. Ele faria qualquer coisa pelos amigos, sem pensar duas vezes. Tinha começado a fumar no inverno do ano anterior e tinha vontade de pintar as unhas de preto, algo que Selena ajudou a realizar — depois de misturar praticamente todas as suas cores de esmalte. Sirius adorava torta de abóbora, mas odiava sopa de abóbora, como muitas outras coisas na vida, seu paladar podia ser bem contraditório. A única pessoa da família de quem ele gostava era a sua prima Andrômeda. Tinha um faro apurado, mesmo quando em sua versão humana, Sirius foi capaz de identificar muito rápido o cheiro do perfume de lírio-do-vale — uma flor tão cheirosa quanto tóxica — que ela usava, ele também achava que Selena cheirava a canela e mel. Mas o que Selena sabia agora, mais do que nunca, é que não saberia mais ficar sem ele.

Seu pequeno momento de sonho, onde tudo era perfeito e ela só se preocupava em prestar atenção no carinho que recebia e nas ocasionais risadas e expressões de espanto que Sirius soltava devido a sua leitura, foi interrompido bruscamente. O som do quadro se movendo fez com que Selena pulasse como um gato, e em segundos ela estava sentada, com as pernas recolhidas perto de si, do outro lado do sofá, longe de Sirius. Aquela reação assustada, obviamente, não passou despercebida pelo garoto, mas ele esperou que a dupla de garotos do segundo ano deixasse o ambiente, e que Selena voltasse a respirar, para fazer uma observação sobre o assunto.

— Se você vai agir como se fosse alérgica a mim toda vez que alguém aparecer, sua vida vai ficar bem difícil a partir de amanhã. — Sirius ironizou, sem tirar os olhos da revista que tinha em mãos.

— Sei que nós não conversamos sobre isso ainda, mas acho que é meio cedo... para que as pessoas saibam sobre nós — Selena dizia cada palavra com muita cautela. — E algumas atitudes deixariam isso meio óbvio, não acha? Até ontem a gente não se suportava.

— E com isso você quer dizer que nós vamos fingir que nada está acontecendo? — Sirius desviou o olhar da revista, as sobrancelhas levemente franzidas.

— Não, não é isso — Selena ponderou um pouco. — Na verdade, sim, é meio que isso. — Ela se corrigiu, um pouco incerta. — Mas não para todo mundo, não quero esconder nada dos nossos amigos. É que nós ainda estamos tentando descobrir onde isso vai dar, e uma vez que a escola toda souber, minha família também vai ficar sabendo... — Ela não conseguia esconder a ansiedade que essa possibilidade gerava. — Eu gostaria de ter mais tempo para conversar com eles antes.

Sirius ficou em silêncio por um momento, enquanto Selena o encarava com apreensão e expectativa. As coisas que escondia pesavam em seu peito e quase a sufocavam. Ela já não sabia se o que mais a incomodava era mentir para ele ou o medo de como ele reagiria se soubesse de tudo. Somando isso ao pavor que Selena sentia de que sua família descobrisse sobre eles, ela agora carregava todo o peso do mundo em suas costas e sequer podia demonstrar. Mas não conseguiria desistir dele. Era tarde demais para abrir mão de Sirius, mesmo que ela soubesse que não poderia fugir para sempre.

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