35 - Daddy Issues

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É comum que crianças queiram saber mais e mais sobre suas próprias histórias, de onde veio seu nome, onde nasceram seus avós, quem veio antes deles. É igualmente comum que elas gostem de ouvir à exaustão histórias de como seus pais se conheceram ou o dia de seu nascimento, e, da mesma forma, as famílias gostam de repetir essas histórias tanto quanto podem. No mundo bruxo sempre há histórias extraordinárias e excêntricas para serem contadas e sempre existem ouvintes curiosos para escutá-las. E na família Welsh isso não era diferente. Bem, na maior parte do tempo.

Selena sabia mais histórias sobre seus ancestrais do que dezenas de livros poderiam contar, mais da metade delas envolviam batalhas que nem sempre foram ganhas, revoltas justas, mas que muitas vezes foram perdidas. O fator comum de sua ancestralidade era o senso constante e inabalável de integração que sua família tinha, a busca incansável para que a sociedade mágica deixasse de ser pautada pela dominação dos bruxos sob todos os outros seres mágicos e não mágicos. O bisavô de seu avô se opôs fortemente à classificação de bruxos a partir de seu sangue e nascimento, para ele não havia sentido em separar bruxos como "sangue puro" ou "nascidos trouxa" uma vez que todos eram igualmente bruxos. Ele dedicou a vida à desnaturalização de hierarquias, fossem elas de sangue ou de outra ordem, e foi taxado de louco por isso. Ainda assim, seus descendentes seguiram seus passos, alguns perderam a vida ou pedaços de si no caminho, mas o ideal foi passado de geração a geração. Tal posição gerou uma série de desafetos ao longo do tempo. Muitas famílias elitistas chamavam os Welsh de traidores do sangue, eram muitas as inimizades, mas talvez fossem os Black aqueles que nutriam maior desprezo por tudo o que os Welsh defendiam e representavam.

Desde garotinha Selena sempre carregou um orgulho imenso de tudo o que dizia respeito de sua família materna, ao sobrenome que ela carregava, mas sempre faltou alguma coisa, o outro lado de sua origem era uma página em branco. Ela sabia que tinha um pai, ou que teve, em algum momento, mas praticamente se resumia a isso. Cresceu ouvindo que ele era um estrangeiro, um aventureiro que desapareceu durante uma expedição à procura de uma quimera, que tinha um sobrenome que ela pronunciava aos tropeços e que ela não carregava sob a justificativa de que era a vontade de sua mãe em dar continuidade no nome da família de que tanto se orgulhava. Nunca pareceu o suficiente para Selena, mas ainda assim era algo difícil de questionar.

Por muitos anos ela se perguntou se seu pai algum dia voltaria, se não estava preso em um portal onde o tempo funcionasse de outra forma, se não estava por aí desmemoriado em alguma ilha remota, mas todos os adultos pareciam ter certeza demais de que seu retorno era algo impensável. Então, silenciosamente, Selena meditava sobre esse pai abstrato de quem ela tinha poucas descrições físicas e nenhum retrato para lhe dar forma, com quem sua mãe supostamente tinha vivido um grande romance, mas que no entanto nunca era mencionado, não lhe contavam histórias sobre ele ou nada que pudesse dar uma dica de como era a sua personalidade. Ela se perguntava frequentemente o que tinha dele, sabia que na aparência não tinha quase nada, ela se parecia demais com sua mãe para que isso fosse uma questão. Mas e na personalidade, será que havia algo dele na sua teimosia? No seu gênio por vezes tempestuoso? No seu medo de que pudessem ver o que ela levava no coração?

Durante seus primeiros nove anos de vida, Selena sempre buscou pistas em si e nos outros de quem seria essa figura misteriosa sobre a qual ela sabia tão pouco. Mas segredos raramente se mantêm guardados para sempre, por maior que seja o empenho daqueles que o protegem.

Quando criança Selena gostava de se esconder em armários e gabinetes a fim de dar sustos em seus avós, por alguma razão sua mãe raramente se surpreendia, mas com o passar do tempo esse hábito se tornou bastante útil. Por coincidência ou destino, em uma certa tarde Selena, que estava de castigo, injustamente proibida de jogar quadribol por um mês, decidiu que poderia fazer algo sobre isso. Sua vassoura estava trancada no quarto de ferramentas, naquela época ela ainda não tinha uma varinha, logo sua melhor chance era pegar a chave do quarto sem que ninguém visse, poderia jogar longe dos olhos dos avós e depois voltar para casa. E, para isso, ela tinha um plano brilhante. Selena sabia que a chave estava guardada em uma das gavetas da mesa de seu avô, com Tibberius no ministério e a avó ocupada com seus ensaios, ela teria o caminho livre. Seu maior problema eram os quadros que ficavam no gabinete, não poderia contar com nenhum deles em sua empreitada — com toda certeza o tio avô Cillian ficaria muito contente em delatar a desobediência da garota no momento em que seu avô colocasse os pés em casa —, mas ela tinha uma solução para esse problema. Todos os quadros tinham um ponto cego, a janela! Não poderiam vê-la se ela entrasse por lá. E seria relativamente fácil se esgueirar entre a cortina e as gavetas sem ser vista, Selena sabia o que precisava fazer.

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⏰ Última atualização: Jun 19, 2022 ⏰

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