Canto do Pássaro

0 0 0
                                    

A conspiração









Caliandro passou a noite meditando nos momentos dourados que teve com o pai. Entreteu nos sonhos a poesia que ele compusera, naqueles altos penedos. O coração do jovem passou por uma permanente transformação. O inverno rigoroso que enrijecia seus sentimentos, cedeu para as temperaturas amenas do amor, e o rapaz sentia-se como um prado aberto à vindoura primavera.

Ele e Livyo se tornaram excelentes amigos, passando mais tempo juntos. O ciúme por Ilméria havia murchado consideravelmente. Ao passo que Calíodo amargava cada vez mais. Apesar de Livyo e o irmão sempre tentarem aproximação, ele sempre tratava-os com desprezo, recusando suas demonstrações de carinho.

Entretanto, pelo fato de Ilméria ser a filha adotiva, era tratada com um zelo especial por Livyo, já que este não queria passar a ideia de favoritismo pelos filhos que ele tanto planejou. Caliandro não era mais afetado pelo modo como Ilméria era tratada pelo pai. Agora era a moça que sentia uma pitada de ciúme de Caliandro. Embora sua mãe sempre repetisse, já quase mecanicamente:

— Teu pai ama vocês igualmente. Ele é só um homem com muitas responsabilidades.

Ao que Ilméria respondia, antecipando o restante do jargão da mãe:

— 'E ele também é o rei' — falavam ambas quase no mesmo tom, seguido sempre pelos mesmos risos que só as duas compactuavam.

— Preciso que leves isto ao teu irmão. Ele e Vanádio devem estar próximos ao vau do riacho.

— Mamãe, tu sabes que Calíodo gosta de implicar comigo. Além do mais, eu fui anteontem. Porque não pede a Fagus ou Quercus que leve? Afinal, eles estão aqui no castelo para cumprir essas tarefas. Faz algum tempo que os dois bajuladores não levam a refeição para seu 'senhorzinho'. Calíodo vai até saborear melhor a comida.

_ Ilméria! Quantas vezes te falei para não falar desse jeito dos netos de teu tio Sídero. Sabes como Livyo tem os generais como irmãos. Pra ele, são parte da família e, portanto, teus primos. Não me venha mais com essa brincadeira de mal gosto de tratar eles como serviçais. Sem falar que não passam de duas crianças de dez anos.

— Não sou eu, mãe. Eles próprios se comportam assim. A senhora sabe que não gosto dessa história de hierarquia. Por mim, todos deveriam receber o mesmo tratamento. E isso de criança não vale para eles dois, sendo que têm energia de um batalhão inteiro. Faltam é sair escalando as torres do castelo, de tão hiperativos que são.

— E teu padrasto pensa do mesmo jeito sobre hierarquia. Tanto que pretende passar a coroa do reino para vocês dois, mesmo estando ainda vivo. Mas posições e cargos existem para manter a organização.

— A floresta não tem dessas coisas e mesmo assim funciona ordeiramente — a mãe olha a filha com os olhos cerrados de quem se sente insultada pelo inconsistente raciocínio.

— Já não expliquei-te, minha boneca, que Quercus e Fagus estão ocupados com os preparativos para o baile. Tu devia estar empolgada assim como teu irmão.

— Acontece que Calíodo procura um cônjuge, mas eu não.

A sábia mulher, rapidamente atalha, baixando o tom de voz:

— Vamos queridinha, já conversamos muito, e rimos mais ainda. Veja! Já está ficando frio — disse insincera, tocando com as costas das mãos, o lenço que cobria a cesta de alimento.

A bela moça já tomava a cesta dos braços da mãe, quando estacou e interrogou-lhe quase num ronronar:

— A senhora acha mesmo que Calíodo está empolgado desse jeito por causa da apresentação das pretendentes? Pra mim ele só está contente porque vai ser nomeado príncipe.

A Noz DouradaOnde histórias criam vida. Descubra agora