Primeiras linhagens

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Uniões e desuniões


Nigrus apareceu no arraial pouco depois que os Peculyo partiram. As mulherem teciam cestos de palha, descascavam raízes ou moíam côco com ferramentas confeccionadas pelas Kermísias. Quando Yasai vê Nigrus saindo do meio da vegetação, ela discretamente se retira, dizendo a Glicinia ao seu lado, que ia ao riacho lavar as raízes. Glicínia era uma mulher observadora e perspicaz. Tanto o gesto de Nigrus, quanto o de Yasai, foram percebidos por ela, que logo fez associação e não gostou dos prováveis motivos que ficara concebendo. Nigrus cumprimenta a todos os Castiros, dando-lhes um abraço. Igualmente ele faz com os onze membros dos Calibs. Quando chega porém a vez de abraçar Livyo, este lhe dá um abraço mais breve e pede licença, ao ver que Yasai se retirara.

— Desculpa-me, meu irmão! Preciso achar Yasai, tua amiga. Tenho medo que ela fique sozinha e acabe atentando contra a própria vida. Tu podia vir. Acho que ela vai ficar muito feliz em te rever.

Pela primeira vez Nigrus deixa escapar um fiapo de ressentimento, na resposta que deu a Livyo.

— Vejo que ela já está melhor assistida. Tenho que cumprimentar nossas anfitriãs, visto que não pretendo demorar. Felicidades, meu irmão! — a exclamação acompanhada de um sorriso foi sua tentativa de encobrir a sombra do ciúme.

Livyo encontra Yasai chorando, sentada em uma das pedras do regato.

— Por que te retiraste? Teu amigo, Nigrus, está aqui. Tu não vais cumprimentá-lo?

— Acho que assim como ele, penso que vermos um ao outro só despertará mais dor e saudades — ela então recomeça o choro.

Não havia ninguém que pudesse compreender o claustro de sentimentos que enclausavam aquela mulher.

Livyo não diz nada, apenas senta-se ao seu lado e fica brincando com a água. Ainda entre soluços, Yasai lhe dirige estas palavras:

— Eu sei porque tu sempre quer estar perto de mim…

— Admito que Attalea me pediu para sempre ficar de olho em ti. Contudo, faço isso por iniciativa própria, não porque ela me pediu…

— Não estou me referindo a isso. Eu já disse a ela que não tenho mais a intenção de me matar. Tonka jamais ia querer tal coisa, por causa de nosso filho. No entanto, eu estava falando do teu interesse por mim.

— Perdão! Mas eu jamais deixaria de me preocupar com tua situação, mesmo que eu não quisesse algum compromisso.

— Eu que não quero. Agradeço muito que sejas atencioso. Mas eu não quero pensar em matrimônio novamente. Gosto muito de tua amizade. Na verdade, eu gostaria de te pedir um favor. Pelo o que eu entendi, tu e teus amigos querem voltar àquelas bandas e fixarem residência, certo?

— Sim. Podes me pedir o que quiser. Farei o que estiver ao meu alcance.

— Queria saber se posso ir com vocês. Não pretendo voltar a residir no mesmo lugar onde passei o início da vida com meu marido. Me traria lembranças muito dolorosas. Porém, não esquecerei jamais do lugar onde fomos tão felizes nos seus últimos dias. Por isso eu o enterrei lá, onde tu me encontraste. Ele dizia que aquele era o lugar onde gostaria de morrer, já bem velhinho, ao meu lado — ela soluça novamente, mas tenta pegar fôlego e retomar o que estava falando. — Eu nunca vou esquecer disso. Visto que tu vai morar naquelas proximidades, eu gostaria de continuar indo até lá, relembrar nossos melhores momentos, impolutos de dor ou da sombra do medo. Ele amava aquela paisagem. E vê-lo feliz me preenchia de contentamento. O lugar em si transmite muita paz. Tu me entende?

— Perfeitamente. E concordo com teus sentimentos. Eu faria a mesma coisa. Sobre a paisagem, não tenho palavras para descrever. A primeira impressão, quando eu vi, foi de choque. Mas depois a gente sente vontade de se entregar, como se o panorama saciasse um desejo que não conhecemos.

A Noz DouradaOnde histórias criam vida. Descubra agora