Os frutos de Calíodo

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A Torre do Cisne




Os lamentáveis acontecimentos no dia que se esperava ser o mais promissor da história de Aleph, acabaram repercutindo como os mais deploráveis. A conduta funambulesca de Calíodo e a disposição repulsiva de Nigrus deixaram marcadas em Aleph uma péssima reputação para os demais planetas, apesar de Dheam os ter precavido. Inclusive, atinaram-se muitos dos mais sábios, às próprias palavras da Profecia, que alertava sobre uma possível rebeldia. Isso foi o que ainda conseguiu trazer muitos ao bom senso. Apesar dessas evidências, Nigrus continuava fazendo a cabeça de Calíodo, e este, por sua vez, difundia mitos sobre Ehtra, Dheam e os Peculyo.

Dheam também havia prevenido a turminha, que agora eram uma só família, a se prepararem para a oposição e dificuldades que Calíodo representaria. Na premissa de rei, marido e, duas vezes, filho ilegítimo, ele começou sutilmente a chantagear Ilméria.

Em uma discussão do casal, ele conseguiu colher alguns resultados em benefício próprio.

- Como você espera que eu confie em Dheam, nos Peculyo e até em você, que é minha esposa e diz me amar? No entanto, eu encontro você jogada nos braços de outro homem, e ainda por cima tendo compactuado sozinhos para se apossar de um artefato de inigualável poder. Me diga se isso é pouco, Ilméria? E tudo isso, depois de termos feito amor. Amor! Como crer nesse embuste? Amor é uma máscara bonitinha para distrair os incautos. Vocês fizeram-me de bobo, na frente de todo o povo. Como irão me respeitar na posição de rei deles?

- Eu posso falar? Você me deixa? Ou será que só dá ouvidos a Nigrus?

- Agora o problema é ele?

- Sempre foi ele! - Ilméria grita a plenos pulmões, encarando o marido como uma árvore solitária diante de uma iminente tempestade. - ELE MATOU O MEU PAI. Nigrus é um assassino; um monstro.

Calíodo segura agressivamente o braço dela e silva, apontando o dedo para sua face:

- Não grite comigo dessa maneira! Eu sou o seu marido. Não faço questão do seu amor. Mas exijo que me respeite.

- Você vai defender o homem que pôs fim à vida do próprio amigo? - Ilméria chorava, mas com vergonha. - Ele sabia o tempo todo que Azhola esperava um filho seu, e mesmo assim não deu a mínima.

- Isso diz respeito a mim. Vai tomar minhas dores agora? Deixe que eu administro os sentimentos que devo dispensar a Nigrus. Ainda considero Yasai como minha mãe. Quanto a pai: descarto esse título. Nunca tive pai.

Yasai esteve ouvindo do lado de fora do quarto, já que a porta ficara aberta. Ela resolveu entrar na discussão.

- Se ainda tenho tua consideração como mãe, então te peço que ceda ao pedido de minha filha. Ou então, se não queres fazer por amor a ela, faça por amor a mim.

- Eu amo as duas! - Calíodo se exalta e põe as mãos sobre a cabeça. - Mas não posso permitir que fiques comigo e essa turma de desocupados.

- Não fale assim deles. São seus primos. Cauabori sempre amou você, Calíodo, e ainda ama.

Calíodo geme com a voz amargurada. Ele se encolhe no chão com tremores espasmódicos e profere um desabafo que deixa ambas desarmadas:

- Não me fale dele. Não passa de um covarde, que gosta de se passar por vítima para conquistar você. Eu fui rejeitado, e continuo sendo rejeitado. Fui desprezado como filho duas vezes; como irmão, sempre fui o segundo; como marido, fico em segundo plano, pois perco o lugar para meu primo e uma árvore. Até a senhora... Duvido que ainda faça questão de me ter como filho, agora que já sabes toda a verdade; agora que tens dois filhinhos alvos como a mais pura neve. Quem me valoriza? Quem faz questão de um negrinho qualquer? Pelo menos me deixem usufruir alguma coisa; me deixem pelo menos ter algo só meu, um reino só meu. É só isso que seu rei lhes pede.

A Noz DouradaOnde histórias criam vida. Descubra agora