A Serra do Curupira

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Pela manhã, um pouco distante das florestas amazônicas, Antares e alguns dos filhos aprontavam-se para mais uma de suas traquinagens. Para pôr mais exatidão geográfica no relato, afirma-se que o lugar fica na região nordeste do país, mais especificamente no Piauí, em um pedaço de roça. O motivo? Antares ficou sabendo, por meio da intuição infalível de seu Gutu, Seratna, que um dos filhos do lavrador tinha um veio artístico muito aflorado.

O homem da roça começa a juntar os cofos, para com eles coletar os frutos da labuta. Dessa vez, a colheita seria de milho.

— Querida, onde estão minhas botas? Já estou indo pra roça — indaga ele à esposa.

— Estão detrás pegando sol, ali naquele toco de palmeira. Eu lavei ontem e coloquei pra secar.

Os meninos terminavam de comer cuscuz com ovos. Um dos filhos, chamado Jason, diz com a boca cheia:

— Pai, espera a gente. Vamos Natan! — chama pelo irmão.

— Acho que vou ficar desenhando — diz ele.

Antares estava sentado em uma pedra, com as mãos apoiadas no queixo e cotovelos nos joelhos. Seratna, sentindo de longe que o menino hesitava em acompanhar o irmão e o pai, intervém:

— Acho bom fazermos algo.

Antares ergue os olhos a um surucuá, Gutu de seu pai, e faz a solicitação:

— Amigo, você pode nos dar uma ajuda?

— Agora mesmo.

Dizendo isso, o pássaro vai pousar próximo do portão de entrada da chácara. De lá, o menino Natan avista o colorido da ave e para de comer. O pássaro olhava de um jeito muito consciente para ele, pulando de galho em galho, na direção do milharal. O garoto até tentou seguí-lo, mas sempre que chegava perto, o surucuá se distanciava. Seu irmão já tinha ido ajudar o pai com os cofos e a encher as cabaças com água. Mudando de ideia, Natan decide ir junto com eles para a roça.

Nesse ínterim, Antares puxava conversa com seu escorpião.

— Defina 'aflorado' — pede Antares.

— Está duvidando dos sentidos de um Gutu? — Seratna sente-se desafiado.

— Nunca, jamais. Só queria que me falasse mais a respeito do garoto. Gosto como você analisa os candidatos para ingressarem no sistema de Zara.

— Ora, ele exala o mesmo cheiro característico de todos vocês. Não se trata de talento mecânico, físico. Não é arte da boca pra fora, digamos assim. Ele olha para as coisas e parece enxergar um poema em cada detalhe. E o mais importante: esse senso apurado reflete em seu comportamento introvertido, retraído e visivelmente honesto e transparente. A mesma força que ele vê nas belezas da Criação, mergulha-o em meditações profundas e projeta-se em sua atitude para com o mundo à sua volta. Mesmo ainda novo, o garoto tem uma noção do que é justo e decente. Claro que ele não é perfeito. Contudo, comparado ao irmão, deixa notável a sua preocupação em seguir padrões ordeiros e se deixar guiar por princípios de sabedoria e justiça.

Antares assovia e bate palmas.

— Estou vendo que ficarei sem meu Gutu — Antares provoca o escorpião, mandando-lhe uma piscadela.

— Deixe de falar asneiras. O único meio que um Gutu deixa seu irmão humano é pelas portas da morte. Nunca mais diga isso.

— Ok. Me perdoe, meu escorpiãozinho bravo!

Icas, até então quietinho, pronuncia-se:

— Pai, eles já estão vindo.

— Muito bem meninos. Vamos nos posicionar. Quem será o Saci dessa vez? Icas já foi Saci duas vezes seguidas. É melhor alguém com a faixa etária de Natan

A Noz DouradaOnde histórias criam vida. Descubra agora