A Noz Dourada

Páginas de segredos

Jamil e sua irmã, Jamile, tinham muitos momentos agradáveis com o querido bisavô, que tanto amavam. No entanto, os dois gêmeos quase nunca passavam temporadas juntos. Pois enquanto um ficava com o pai, o outro estava com a mãe. Edna não gostava de deixar ambos 'soltos naquele castelo cheio de segredos e histórias'_ assim ela justificava sempre que os filhos pediam para irem juntos ficar com o pai.

Foram poucas as vezes que a diversão e a felicidade de Miquéias era dupla, e uma dupla gêmea. Essa que seguirá, foi uma dessas vezes, e de longe a melhor de todas.

Os meninos já não eram mais meninos, eram dois adolescentes com dezesseis anos. Miquéias já não podia andar sozinho. Embora fosse descendente de uma raça forte, ele agora ficava em uma cadeira de rodas ou em sua poltrona azul, quando os bisnetos o ajudavam.

_ O que o senhor vai nos contar hoje? Está nos devendo o resto da história de ontem, sobre o porquê do seu nome._ aborda Jamil.

_ Tudo bem. Peguem para mim, por favor, aquela Bíblia na estante._ solicita o idoso, com a voz arrastada.

Jamil vai até a estante e retira uma Biblia bem surrada e volumosa. Ao remover o pesado livro, ele nota um desenho de um losango no fundo da estante. Porém, o bisavô apressa-o:

_ Venha logo! Já, já sua mãe chega e carrega vocês num piscar de olhos. Então, só na próxima temporada nos veremos de novo, se eu estiver vivo até lá.

_ Bisa! Não gosto que fale essas coisas. Os semeadores virão pegar o senhor e o plantarão nos jardins da eternidade. O senhor verá._ diz Jamile, fazendo carinho nele.

O livro já estava em mãos. Ele abre no livro que leva seu nome, no capítulo 7, verso 14, e pede que Jamil leia.

_ "Com o teu bastão pastoreia o teu povo, o rebanho da tua herança, que morava sozinho numa floresta, no meio de um pomar."_ Jamil termina a leitura.

_ Virgílio, meu pai gostava muito desse texto. Nele está subentendida a localização de Zara._ explica Miquéias.

_ Uma floresta?_ estranha Jamile.

_ Não qualquer floresta. Onde foi o lugar que dizem ter sido o impacto que extinguiu os dinossauros?_ interroga o bisavô.

_ Yucatán.

_ Não acha que foi à toa, acha? Já ouviu falar dos Chachapoyas?

_ Não._ respondem eles.

_ O conquistador espanhol Pedro Cieza de León, descreveu esse povo, dessa maneira:

"Os Chachapoyas eram índios brancos cuja beleza era digna de soberanos; cujos olhos eram azuis, os quais eram ainda mais brancos que os próprios espanhóis”. De onde vocês acham que vêm essas características genéticas tão díspares do restante dos outros povos em volta?

_ Dos Embaixadores da Noz._ respondem eles, admirados.

_ E qual é a floresta que existe naquelas bandas?_ Miquéias perguntou, mas já viu a resposta estampada nas expressões faciais deles.

_ A floresta Amazônica._ exclamam juntos.

Jamil passa os olhos pelo texto bíblico e se depara com um nome:

_ Vovô, quem é Jeová?

_ É o nome de Deus, o Criador dos universos, tanto o físico, como o espiritual. Seu nome varia em muitas culturas: Jeová, Yahweh, Javé… Porém, a essência do significado é a mesma. Significa criar o inexistente; tornar concreto o abstrato, o imaginário; trazer à existência aquilo que só está dentro de si, no coração, no âmago do ser. Por isso ele é chamado de Artista Maior; a criação, ou seja, toda a sua obra, é chamada de Arte_ Ehtra, Oluchi, Natureza, dentre tantos outros nomes. Por esse mesmo motivo a fé também é uma arte. Pois fé é tornar efetivo o que existe apenas como promessa ou perspectiva; é viver em conformidade com essa convicção, como se ela já fosse real; é desenhar, pintar, esculpir, cantar, compor essa convicção nas telas e alicerces da vida, da conduta, do caráter. Tais obras, as que forem primorosas, permanecerão eternamente na Grande Galeria de Deus. Isso explica porque a beleza, a vida e o amor tanto fascinam o ser humano. Porque ele nos criou com o desejo pelo o que é eterno. Essas são as coisas eternas. Por essa razão, sempre as buscamos para preencher nosso vazio. Pelo menos os que têm consciência desse vazio.