Capítulo 9

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Abraçada ao garoto, levei alguns minutos para me recuperar da conversa anterior. Era simplesmente improvável, mas por mais que eu conhecesse o garoto a tão pouco tempo, tínhamos uma conexão incrível. Ainda era estranho para mim admitir isso, mas a verdade é que eu confiava em Carl, e sentia profundamente que o garoto também confiava em mim.

Grimes me contou toda a sua jornada, desde o início do apocalipse até que seu grupo chegasse em Alexandria três anos atrás. Fiquei impressionada com a união e a força que eles tinham, como uma verdadeira família. Quando o garoto parecia abalado com alguma parte da história eu sempre fazia o meu melhor para lhe dar apoio, como ele havia feito comigo, o tempo passava e nós sequer percebemos.

-Carl... Posso perguntar uma coisa...? - questionei baixo, acariciando os cabelos macios do Grimes enquanto ele mantinha o rosto confortavelmente aconchegado em meu ombro.

-Ainda tem mais perguntas...? Você é muito curiosa... Mas tudo bem, fale... - respondeu fungando de leve com uma risadinha, ainda um pouco abalado pelo discreto choro recente, mas mesmo assim sorrindo para mim.

-Essa faixa no rosto... Você nunca tira... O que aconteceu com seu outro olho...? - perguntei cautelosa, o garoto suspirou e se sentou na cama, imitei seu movimento.

-Eu não gosto muito de tocar no assunto... Mas você confiou em mim, então... - ele suspirou, desfazendo devagar o nó que segurava o curativo em seu rosto - Não fazia muito tempo que tínhamos chegado a Alexandria na época, algumas semanas eu acho... Tinham uns caminhantes presos em uma pedreira, eram muitos deles, e o caminhão que os prendia lá estava quase caindo de uma estrada que estava desmoronando... Quando se soltassem viriam direto pra cá, meu pai liderou uma missão para levar todos os monstros pra longe da comunidade, mas as coisas deram errado e metade deles veio pra cá... Uma parte do muro foi derrubada por uma antiga torre de uma construção próxima e os caminhantes invadiram Alexandria... - explicou, desenrolando a faixa com o máximo de lentidão que podia, parecia temeroso em tirar de uma vez.

-E depois, o que aconteceu? - questionei, o incentivando a falar.

-Nos escondemos em uma casa próxima, mas ela foi invadida também... E tinha um garoto que me odiava porque achava que eu tinha roubado a Enid dele, a verdade é ela sempre foi apenas minha amiga, mas a raiva dele por mim aumentou quando meu pai matou o pai dele depois de uma confusão. - continuou, dando de ombros, ele não parecia querer se aprofundar muito no que dizia respeito ao tal garoto, mágoa queimava em seu olhar.

-O que esse garoto fez? - perguntei, já tendo um pressentimento ruim sobre o que viria a seguir.

-Ele tentou me matar, apontou uma arma pra mim quando estávamos no porão, mas eu consegui me safar. Depois disso os zumbis começaram a entrar na casa e eu não contei nada sobre a briga ao meu pai. Tivemos que nos cobrir com as vísceras dos mortos pra mascarar nosso cheiro e conseguir sair de lá, mas no meio do caminho as coisas deram errado e o irmão e a mãe daquele cara acabaram morrendo, ele apontou uma arma pro meu pai... Mas errou o tiro. - Carl finalmente terminou de tirar o curativo, revelando seu rosto por completo para mim pela primeira vez.

Ele pareceu constrangido ao expor seu rosto assim, provavelmente tinha vergonha da própria aparência agora, mas pareceu confuso quando tudo que encontrou em meus olhos foi curiosidade. Um de seus olhos não estava mais lá, restando a cavidade em que antes o globo ocular se encontrava, a pele cicatrizada em volta do ferimento tinha um tom sutilmente mais rosado que o resto da pele alva de seu rosto.

Por um instante imaginei como o rosto do garoto deveria ser antes do tiro, com os dois olhos azuis fixados em mim, mas a verdade é que ele era lindo de todo jeito. Quando uma pessoa é verdadeiramente bonita, não é só uma questão de aparência, mas sim de alma.

Putrified Love - Carl GrimesOnde histórias criam vida. Descubra agora