Vagarosamente, abri meus olhos e me sentei na cama. Sequer sabia como havia chegado alí, mas ainda estava processando minha própria existência para pensar em questionar. Um longo e preguiçoso bocejo escapou de meus lábios, quase me desmotivando de levantar. Tateei a mesa de cabeceira em busca do despertador simples, errando o botão algumas vezes antes de finalmente desligar o aparelho.
As cortinas brancas com detalhes de girassóis deixavam transpassar uma quantidade sutil do Sol da manhã, iluminando suavemente o quarto bagunçado, que seria motivo de reclamação da mamãe mais tarde.
Me arrastei pra fora da cama ainda sonolenta, coçando de leve os olhos pesados por baixo do desastre natural que eu chamava de cabelo. Ainda enfiando as pantufas de qualquer jeito nos pés, alcancei o corredor em alguns passos preguiçosos.
Saindo do próprio quarto, meu irmão parecia tão destruído quanto eu, após nossa longa noite jogando videogame sem a permissão da mamãe na sala. Ele riu quando me viu, o largo sorriso de dentes perfeitos em seu rosto me arrancou um grunhido irritadiço, mesmo que ouvir sua risada tivesse me trazido uma sensação inexplicavelmente boa. Eu havia perdido a primeira rodada do nosso campeonato anual de férias.
-Como vai, a minha escrava favorita? - ele cantarolou ainda com a voz rouca, tirando do rosto as mechas curtas e irritantemente lisas de seu cabelo acobreado.
-Aquilo não valeu, você trapaceou! Não sou escrava coisa nenhuma! - ralhei cruzando os braços, o sorriso irritante do ruivo apenas aumentou, fazendo com que seu nariz sardento ficasse sutilmente arrebitado.
-Oh, mesmo? Então, serei mais honesto... Começando por informar à mamãe que não foi o gato do vizinho que derrubou aquele bule caríssimo de porcelana, e sim uma nanica de nove anos com uma bola de futebol brasileiro... O que acha? - ele ergueu uma das sobrancelhas grossas ao falar, sua expressão de óbvio divertimento me tentou ainda mais a lhe aplicar o chute giratório que aprendi nas aulas da semana passada.
-Claire, Kalel! Onde vocês estão? O café vai esfriar! - a voz de mamãe no final do corredor me fez congelar no lugar, e sem outra opção, fui obrigada a ceder àquele chantagista juvenil. Quatorze anos de idade e meu irmão já chantageia crianças, eu diria que é um ótimo currículo pra chefe da máfia no futuro.
-Isso vai ter troco! - resmunguei ao garoto, ele apenas riu e passou por mim bagunçando meu cabelo.
Segui emburrada em seu encalço até a sala de jantar, mas minha irritação imediatamente se desfez com o cheiro maravilhoso de panquecas recém feitas e suco de laranja que dominou meus sentidos. Uma lágrima solitária escapou involuntariamente de meu olho com aquele cheiro. Era estranho, mas de certa forma, eu sentia que não experimentava uma panqueca a muito tempo.
Confusa, atravessei a sala de jantar a passos largos. Porém, um breve vislumbre do espelho no centro da cristaleira grande me fez estacar no lugar, antes mesmo de alcançar a porta da cozinha. Um suspiro de susto escapou dos meus lábios, e mesmo temerosa, fui incapaz de controlar o impulso de me aproximar do espelho.
Na superfície reluzente, uma mulher desconhecida me encarava com óbvio temor. Os cabelos sujos e desgrenhados cortados à faça acima dos ombros emolduravam um rosto cansado, com fundas olheiras abaixo dos olhos escuros e várias cicatrizes antigas e novas, perdidas abaixo de toda a sujeira e manchas de sangue que cobriam seu corpo inteiro e as roupas largas e velhas que vestia.
Levantei vagarosamente a mão com o intuito de tocar o espelho, mas me afastei em um salto quando a mulher cansada no espelho imitou meus movimentos. Estava prestes a dizer algo, quando meu irmão subitamente entrou no cômodo.
-O que está fazendo, Claire? Vou comer sua parte das panquecas se não vir logo! - ele anunciou e voltou para a cozinha.
Quando encarei o espelho novamente, a mulher havia desaparecido, dando lugar a mesma garota magrela de nove anos de sempre. Decidi por fim que aquilo fora apenas o sono e corri até a cozinha.
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Putrified Love - Carl Grimes
FanficSozinha, em meio a um mundo devastado por uma doença que transformou boa parte da população mundial em monstros comedores de carne humana, Clarisse vagava pela floresta como um fantasma, tomando coragem para atirar na própria cabeça. Porém, algo at...