Putrified Love - Carl Grimes

Capítulo 29

A paisagem borrada pela neblina era deixada para trás, se perdia no limite da janela do veículo, desaparecendo talvez para sempre do meu campo de visão. O mundo sempre foi uma massa de constante mudança, mesmo que o tempo pareça correr mais lentamente desde o apocalipse, nada é igual ao que era uma hora ou um minuto atrás. A estagnação é um mito, porque nunca seremos as mesmas pessoas do dia anterior.

Era um desejo egoísta e tão imbecil que eu sequer era capaz de verbalizar, mas eu sentia falta do antes de Carl, antes de Alexandria. Sentia falta da solidão simples da estrada, de quando éramos apenas eu e Jack, sem medo ou sentimentos. Sem piedade.

O nosso pequeno mundo era meramente nosso, se algo ou alguém ameaçava a segurança de Jack ou a minha, com a qual eu não estava tão preocupada assim, eu simplesmente matava e deixava para apodrecer. Eu não precisava estar viva, não precisava dar satisfação, e menos ainda ser boa ou má. Não precisava ser forte, não precisa ser Claire, Lisse, ou Clarisse Hale, era apenas mais um monstro perdido na vastidão desse planeta decadente. Sem nome nem sobrenome.

Os humanos são estranhos, complicados, burros, gentis, cuidadosos, gananciosos e tão cheios de camadas e dualidades. Eu ainda não fazia parte disso tudo quando a sociedade se dissolveu, então a minha casa se tornou facilmente a perdição, não precisava ser reconfortante porque era tudo o que eu tinha. Não precisava ser bom nem ruim, e eu não tinha a necessidade de fingir estar feliz.

Agora que eu voltei à humanidade, que fui forçada a me tornar um deles, eu temia que a minha crueldade natural se afastasse da sobrevivência. Tinha medo de me tornar alguém como Negan, e sabia que o meu pesadelo se tornaria realidade em breve. Sentimentos são uma força poderosa demais, devastadora demais.

Observei o garoto dormindo sentado ao meu lado, a forma como os cabelos escuros tinham crescido um pouco mais nas últimas semanas, e agora cobriam seus olhos o suficiente para que ele tivesse de afastar os fios constantemente do rosto.

Ele sorriu pra mim quando acordou e notou meu olhar, e eu soube naquele momento que mataria tudo e todos por ele, sem ter nem mesmo uma necessidade real. Seu amor putrefato havia me tornado mais que um mero monstro, e essa seria a ruína de quem quer que cruzasse nossos caminhos. Carl fez de mim humana, e agora eu temia me perder nas minhas próprias camadas.

-Acordada a muito tempo...? - ele perguntou baixo, com aquela voz rouca de quem acaba de acordar, e tirou os fios escuros do rosto preguiçosamente.

Depois da nossa conversa com o grupo de buscas recém chegado, Cyndie imediatamente iniciou a preparação da nossa saída, e caímos na estrada no início da noite. Acho que assim como eu, ela entendeu que as armas desse tal parque seriam um incentivo e tanto para que mais pessoas na comunidade, aceitassem viajar até Alexandria conosco. Sendo assim, depois de horas enfurnados naquela van mal cheirosa, a manhã havia chegado e coincidentemente a proximidade de nosso destino.

-Um pouco. - respondi simples, estava mentindo e nós dois sabíamos disso, eu sequer havia dormido - Você deveria prender esse cabelo. Sei que o Daryl é alguém inspirador, mas andar com o cabelo cobrindo metade da cara já é um exagero. - brinquei, com um sorrisinho de provocação, meu namorado riu e me deu o dedo do meio.

-Era minha mãe que cortava meu cabelo, e depois de tudo... Acho que eu só acabei me descuidando. - ele deu de ombros com um sorriso triste, e acariciei sua mão de leve em apoio.

-Hey, Casal Metralha! Espero não estar interrompendo a transa, mas nós chegamos. - ouvi Cyndie debochar na parte da frente da van, e então o veículo parou com um solavanco.

Ajeitei no ombro a alça do fuzil de precisão que consegui no arsenal de OceanSide, e segui os outros enquanto acendia um cigarro. Carl torceu o nariz quando soltei lentamente a fumaça após uma longa tragada, mas eu decidi não lhe dar atenção. Assim como ele me ignorou completamente quando eu pedi que ficasse na comunidade, até que tivéssemos certeza de que ele não tem realmente uma costela quebrada.