Capítulo 23

1.6K 192 89
                                    

Eu consigo!

Era o que eu repetia em minha mente, enquanto cambaleava na direção de dois zumbis com apenas uma faca e uma lanterna pequena. É uma pena, porém, que "força de pensamento" nunca tenha sido o suficiente para salvar ninguém. Querer não é poder e somente acreditar em unicórnios e amizade não salva a sua bunda, não nesse mundo.

Eu deveria ter aprendido a minha lição mais cedo, tive mais de uma queda, mais de uma perda, mas ainda era teimosa demais para simplesmente aceitar que era um jogo perdido. Talvez eu tivesse algum maldito complexo de herói, ou fosse apenas uma vadia burra que nunca aprendeu a perder. Bom... Eu ainda não pretendia aprender.

-Hey, cuzões... Venham pegar um pedaço da minha bunda! - provoquei, chamando a atenção dos monstros para mim, fazendo de tudo para afastá-los de Carl, que ainda estava caído no chão.

O primeiro dos mortos parecia ter sido uma mulher, aparentemente do tipo que gostava de silicone e roupas de marca, mas suas plásticas não a salvaram da morte. Cravei minha faca em sua cabeça, seu peso me fez perder a lâmina e deixar cair a lanterna, tive de me abaixar para pegar pelo menos a faca de volta. O que não foi minha ideia mais inteligente, afinal, considerando que o segundo morto se jogou sobre mim no momento em que ergui novamente o corpo.

Empurrei como podia o peitoral do que provavelmente já fora um homem jovem, mas ele era mais obstinado do que deveria. Eu estava fraca e cansada demais para aquilo, boa parte do meu corpo estava coberto por arranhões e largos hematomas arroxeados, mas não havia a opção "desistir" no cardápio.

Com um grito fraco que saiu rasgado e arranhou minha garganta, eu usei toda a força que podia para empurrar o monstro com apenas uma mão, usando os longos segundos seguintes para enfiar minha faca em seu crânio apodrecido. O monstro caiu ao meu lado no chão, imóvel. Um suspiro de alívio escapou de meus lábios, mas minha alegria durou pouco.

-Droga!- xinguei assustada quando um terceiro monstro, que eu não tinha visto, se jogou sobre mim de supetão.

Com o susto minha faca caiu longe, fora de meu alcance, acabei no chão abaixo daquela coisa, tendo minhas mãos como única defesa enquanto o morto se forçava em minha direção. Ele mordeu o ar uma, duas, três vezes. Seus dentes cobertos de carne humana apodrecida estavam próximos demais da minha face, o mal cheiro e as larvas que caiam de seu corpo podre sobre minhas roupas me fizeram querer vomitar.

Estava perdendo as forças, achei que morreria da forma mais idiota que poderia depois de tudo: mordida porque fui imprudente. Porém, antes que eu pudesse pensar em quão ridículo aquilo era, o clarão da lanterna caiu sobre mim e o estampido de um tiro ecoou alto pela floresta. O monstro caiu imóvel sobre mim.

Girei minimamente o rosto, meu coração martelando como louco em minhas orelhas, apenas para encontrar Carl ainda no chão, deitado de uma forma desconfortável e ainda com os braços estendidos, empunhando a arma e a lanterna que usou para salvar minha vida. A realização de que aquela era nossa última bala me fez ter um déjà vu, a cena da noite em que nos conhecemos se repetiu em minha mente. Tudo aquilo parecia tão distante agora...

-Dívida... Paga... - Carl resmungou, parecendo sem ar, um sorrisinho de canto quase imperceptível preenchia seus lábios sob a luz pálida da lanterna.

Rimos juntos da situação, nada mais que um risada baixa e sem humor. Nos permitimos retomar o fôlego no chão da floresta por apenas alguns segundos antes de sermos forçados a levantar e continuar sobrevivendo.

XXX

Dinheiro, jóias, um carro de luxo, a boneca cara no topo da estante, era estranho pensar em como todas essas coisas perderam totalmente seu valor quando o mundo desmoronou. Uma garrafa de água ou mesmo uma lata de feijão em conserva vencida, coisas tão simples se tornaram tão valiosas quanto ouro, uma dádiva de poucos como o antigo dinheiro. Acho que o mal da humanidade nunca foi realmente o dinheiro, como papai dizia às vezes, mas o egoísmo em cada um.

Putrified Love - Carl GrimesOnde histórias criam vida. Descubra agora