Capítulo 26

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A noite veio e se foi, ficando para trás como as folhas mortas que recobrem o asfalto. O nascer do Sol ainda pintava quase invisível o horizonte, escondido por nuvens e perdido na minha visão cansada. Carl estava reclamando a mais de trinta minutos, como um maldito disco arranhado, e eu provavelmente já teria lhe dado um chute na canela se não estivéssemos em um carro e eu não estivesse tão exausta.

-Já é o quinto bocejo em sete minutos! Me deixa dirigir! - ele ralhou do banco do carona, parecia uma criança fazendo birra.

-Não. E além disso, quem conta bocejos alheios? - murmurei com a voz rouca, não importava se eu estava com sono, alguém com uma costela quebrada não deveria dirigir.

-Você vai acabar batendo o carro e matando nós dois! - ele bateu no painel do carro, o olhei feio pelo retrovisor.

-Vou te jogar pra fora dessa porcaria de carro, se der mais um soco que seja nesse painel. - falei, por um fio de perder a paciência, minha cabeça doía como o inferno e eu estava com tanta fome que sentia o ácido do meu estômago quase derretendo o conteúdo de minha barriga. A comida boa de Alexandria me deixou mal acostumada.

O garoto me olhou em desafio e abaixou vagarosamente a mão, deixando um segundo soco no painel do carro. Sem qualquer aviso prévio, eu desviei a mão do câmbio do carro e puxei o freio de mão com tanta força que os pneus protestaram em um grito estridente contra o asfalto. A freada brusca por muito pouco não fez o carro capotar, e Carl só não arrebentou o rosto no parabrisa porque usava o cinto de segurança.

Os olhos assustados do garoto se fixaram em mim, mas no momento em que ele tomou fôlego para reclamar, meu estômago pareceu dar uma cambalhota em minha barriga e eu só consegui abrir a porta do carro um segundo antes de vomitar o pouco que havia ingerido nos últimos dias.

Eu tossi violentamente, sentindo minha garganta arder em protesto enquanto meu estômago era completamente esvaziado. Senti um par de mãos recolher algumas mechas bagunçadas de meu cabelo para que não se sujassem, e então um carinho suave se instalou em minhas costas até que eu fosse capaz de terminar.

Tonta e com o dobro de dor de cabeça, eu afundei no banco e fechei a porta do carro novamente, impedindo que o ar gelado ferrasse com a atmosfera suportável que o aquecedor do veículo trazia. Alguns segundos de um silêncio pesado se seguiram, até que a voz cautelosa do garoto finalmente o preencheu.

-Me desculpa... - ele pediu baixinho, e sem forças para continuar a discussão, eu apenas assenti.

-Você é um idiota às vezes... - resmunguei limpando a boca na barra de minha camiseta, nossos casacos cobertos de tripas estavam no porta-malas do carro, mas o cheiro podre parecia impregnado até mesmo em minha alma.

-Eu sei... Mas você é teimosa demais... Sempre com essa mania de proteger a todos, mas nunca a si mesma... - ele suspirou, visivelmente cansado, olheiras fundas ornamentavam ambos os nossos rostos.

-Estou protegendo a mim mesma... Ou o pouco que restou de mim... Porque um pedaço meu some junto com cada pessoa importante que eu perco... E eu não sei quanto mais sou capaz de perder... No fim de tudo isso, sou apenas uma grande egoísta. - minha voz monótona mascarava a dor impregnada em cada letra daquela frase, mas ele percebeu, ele sempre percebia.

-Bom, se você é egoísta... Não tenho ideia de quão hediondo o resto do mundo pode ser... - ele brincou, segurando minha mão e vagarosamente me puxando em sua direção, não tive forças para resistir.

Carl me ajeitou cuidadosamente em seu colo, o mais confortável que o pouco espaço nos permitia e eu não tive outra opção se não afundar no corpo do garoto. Seus dedos se perderam em um carinho suave em meus cabelos, fazendo com que eu perdesse o foco por tempo suficiente para que ele me girasse sobre si e fugisse para o assento do motorista.

Putrified Love - Carl GrimesOnde histórias criam vida. Descubra agora