•36• A dor da despedida

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2031, Coimbra

Estou a frente do espelho a vestir-me e nesse momento fico a recordar-me da conversa com o Miguel há dias atrás

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Estou a frente do espelho a vestir-me e nesse momento fico a recordar-me da conversa com o Miguel há dias atrás. Quando ele chegou aqui, seus olhos estavam completamente rosados e ainda podia-se notar resquícios de lágrimas pelo seu rosto. Ele fazia alguns sons que dava-nos a perceber que tinha o nariz entupido e ao longo da conversa ele tentava desentupi-lo.

Para ele ainda custava acreditar nisto pois foi tudo tão de repente. Todos nós concordávamos com ele. Dava para sentir um pouco de raiva nele ao passo que refilava contra esta infeliz e dolorosa realidade. Mas eu o compreendia. Esta situação enigmática custava-me para aceitar normalmente. Eu, realmente, não consigo compreender as pessoas que sentem a necessidade de magoar o seu próximo por puro prazer ou ainda por dinheiro.

Confesso que no final da conversa receei que Miguel tivesse alguma de espécie de rancor contra nós, pois em princípio o ataque direcionava-se à nós - mais precisamente à mim - e isso poderia levá-lo a pensar que nós éramos os culpados em parte, no entanto, graças a Deus, ele não reagiu assim. Ele chorou nos nossos ombros e permitiu que nós fizéssemos parte da despedida da nossa Delilah, que seria daqui à dois dias.

Passados esses dias, eu agora me preparava para ir despedir-me da Delilah pela última vez. Terminei de vestir o meu vestuário de luto, em que é composto por uma blusa branca e uma calça preta. Por cima da blusa coloquei uma cardigã preta pois hoje o tempo estava ventoso, como se estivéssemos num tempo tempestuoso e abafado. E essa comparação condizia com o meu estado de espírito.

Resolvi fazer uma trança no cabelo para o lado direito. Enquanto reparo que já estou com uma meia trança feita por mim, penso até que ponto a nossa vida passa tão rápido como se fosse uma espécie de roteiro de um filme. Por mais anos que consigamos alcançar - como os cem anos e qualquer coisa - nunca deixámos de pensar e desejar que essa pessoa, talvez, pudesse ter tido mais tempo de vida.

Isto, com certeza, é o nosso lado que anseia pela eternidade, pela vida eterna, sem nos preocuparmos com as doenças, guerras, fome e a morte. Isto reflete o nosso desejo e aspiração por uma vida que nunca tivesse fim. É algo natural que nós sentimos e pensamos, e é completamente plausível.

Também fico a pensar o quão pacóvio o ser humano pode chegar a ser com toda a sua ganância e egoísmo extremo. Há pessoas tão presunçosas, cheios de ira e ódio, com o pensamento apenas voltado ao dinheiro e em bens materiais que, ironicamente, não os ajuda em nada quando a morte chega, pois deste mundo nada levámos e o que realmente importa é o nosso interior, os nossos valores e princípios.

Antes de ir comer alguma coisa, resolvi calçar já as minhas botas pretas de cano baixo e grosso. E depois de lavar as mãos, fui para a mesa já contendo algumas coisas para matar a minha fome. Augusto estava a frente do frigorífico a arrumar qualquer coisa lá dentro e de seguida ele fechou a porta, vindo até mim com um lindo sorriso esboçado no seu rosto sem mostrar os dentes.

Uma Difícil Decisão ▪︎ Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora