Toda mãe sabe

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_ Quer que eu vá com você?
_ Não. Acho que a conversa vai ser longa…
Júlio se despediu da amiga que ainda estava bem impressionada, e agradeceu a Ravi pela carona. Quando o carro virou na esquina próxima ele se adiantou em entrar em sua casa, abrindo a porta vagarosamente e então ouviu sua mãe cantarolando algo em seu quarto.
Ele foi até ela e logo Dora o olhou de cima a baixo, suas roupas, rosto e mãos sujas de sangue e sujeira, sua expressão de profunda tristeza. Ela correu e abraçou o filho, que reclamou a dor na costela antes de começar a chorar a alma.
Sua mãe o deitou com cuidado em sua cama, e buscou um pano molhado na cozinha, começando a esfregar com cuidado sobre sua pele, para retirar a mancha vermelha.
_ Meu filho, quem fez isso com você? - Ela disse, chorando junto a ele.
_ Mãe… Dói muito.
Ela o deitou em seu colo, e o abraçou, lhe dando beijos de amor em sua testa.
_ Por favor, Júlio me diz quem fez isso com você.
_ Eles mãe, os caras que me odeiam.
_ Mas porque? O que aconteceu? Meu deus!
_ Deixa para lá, eu vou ficar bem.
Ele disse, e as lágrimas desciam rolando para o colo de Fora, que balançava seus cabelos pretos sobre seu rosto.
_ Júlio, me diz quem é eu vou atrás deles.
_ Não adianta mãe. Hoje são eles, amanhã serão outros… Eu vou sempre sofrer com isso.
_ Mas do que está falando? Não é a primeira vez que chega machucado em casa, foram os caras da faculdade novamente?
_ Sim…
_ Eu vou amanhã mesmo conversar com a reitora, exigir que ela expulse esses malditos!
_ Não vai adiantar, não aconteceu lá dentro, então no máximo ela iria olhar com pena para você e fingir que está tomando alguma providência.
_ Não aguento te ver assim, meu filho.
_ Mãe vai acontecer de novo, e de novo…
Ele respirou fundo, e ela ficar afastou deixando que ele se sentasse na cama em sua frente.
_ O que eu posso fazer para te ajudar? Me diga.
_ Por enquanto mãe… eu só preciso que você saiba de uma coisa. - Ela o olhou com atenção. _ Estou cansado de ficar fingindo, e mesmo assim, escondendo quem sou eu apanho sempre. Do que adianta? Eu tentei lutar contra isso porque, me disseram que era errado…
_ Contra o quê, Júlio?
_ Mãe, desculpa… eu sou gay mãe. Eu não consigo gostar de garotas e sempre quis estar com outros meninos.
Júlio sentiu um peso absurdo saindo de seu peito ao dizer essas palavras, parecia que todo o peso do planeta se concentrava na região de seu coração, e agora o libertava para poder andar livre.
_ Filho…
Dora o olhava e não escondia a aflição.
_ Desculpa mãe. Eu devia ter te contado antes, mas essa é a verdade. Eu sofro preconceito todos os dias desde o ensino médio, porque nunca estive com uma mulher, e sempre me taxavam como gay, até… que eu me dei conta de que era a verdade.
_ Júlio eu… - Ela botou uma das mãos no peito, e ele julgou que estivesse incrédula ou algo do tipo.
_ Tudo bem se não quiser mais ser minha mãe, se quiser que eu vá embora eu vou…
_ Como seu pai foi? - Ele ergueu o olhar para ela. _ Acha mesmo que eu não sabia? Toda mãe sabe dessas coisas, filho. Você sempre foi você, e esse é você.
Agora suas dúvidas se cessaram, ele tinha certeza de que não tinha nada de hétero, mesmo se esforçando para não transparecer tanto.
“Sara é tão burra, que foi a única que não percebeu?“ - Ele pensou.
_ Você sabia?
_ Mas é claro! E está tudo bem. Eu não vou deixar de te amar um segundo por conta disso, você saiu de dentro de mim e eu te gerei perfeito, do jeito que deveria ser.
_ Mãe…
_ Não poderia querer um filho mais atencioso, responsável e cuidadoso que você Júlio. Se você beija garotos, isso é a sua vida pessoal, não quer dizer nada sobre o fato de que é para sempre o meu menininho.
Mais lágrimas caíram do rosto do menor. Tivera tanto medo da reação da pessoa mais importante em sua vida, e agora via o acolhimento que recebia.
_ Eu juro que não vou mudar.
_ Não, não vai. Irá sempre ser meu filho, eu te amo muito.
_ Também te amo, mãe.
Eles se abraçaram e o pequeno finalizou aquele choro.
Estava feliz, e basicamente de esquecera de toda a dor, toda a dor que viera sentindo todos esses anos em silêncio.
_ Mas precisamos fazer algo em relação a esses meninos que te machucaram.
_ Não vou fazer nada. Não vale a pena.
_ Você pode os denunciar, homofobia é crime e eles tem que pagar!
_ Mãe… Eu acabei de me assumir para você, não gostaria de me envolver com isso assim. - Ele segurou a mão de Dora. _ Preciso dormir um pouco. Pode descansar em paz, e muito obrigado por todo o apoio, é tudo o que eu precisava.
_ Sempre vou te apoiar. Mas por favor, faça algo em relação a isso.
_ Irei fazer.
Júlio a abraçou mais uma vez e seguiu para seu quarto.
Sua cama com aquele edredom azul-marinho, e as paredes brancas, seguindo a cor do guarda roupas tudo tão masculino, mas ele gostava.
Ele pegou sua toalha e seguiu para o banheiro, indo para seu banho.
Quando tirou suas roupas pode ver melhor como estava seu corpo. Os joelhos não pareciam estar machucados apesar da dor, mas em sua costela esquerda uma mancha vermelha começava a ter bordas amareladas. Foi onde tomou chutes, e foi impiedosamente pisado como um amontoado de entulhos.
Ao entrar debaixo da água, os resíduos do sangue em seu rosto e mãos começaram a descer, iam se desgrudando da pele seco, e indo pelo ralo.
Júlio olhava atentamente, e se divertia chutando a água no chão fazendo os pedacinhos do sangue coagulado sumirem mais rápidos ao descer pela tubulação. O gosto de ferro ainda estava entre seus dentes, era estranho.
Quando terminou, deu um boa noite para sua mãe que estava quieta e parecia orar, então retornou ao seu quarto trancando a porta.
Ele jogou a toalha de lado e se deitou nu em sua cama, olhando para o teto e deixando que seus pensamentos fluíssem. Mas eram pensamentos negros, e vingativos.
Podia sim fingir que não se importava perto dos outros, mas sempre que pensava em todas as vezes que aquele pé sujo o atacou, seu sangue corria mais rápido em suas veias o instigando a sorrir aleatoriamente.
  Ele passou a mão sobre o pulso, e sentiu ali um relevo. Era o local de seu primeiro corte no pulso, de quando tinha 14 anos. Não queria ele se lembrou, de querer morrer ou qualquer coisa do tipo… era apenas para ele, divertido a sensação, de ser humano e vulnerável como qualquer outra pessoa, e então ter a certeza de que assim como ele, os outros também podiam se ferir.
A dor que sentira com o corte era boa, como agora que massageava o local avermelhado abaixo de suas axilas e tinha a certeza, que ele poderia revidar como quisesse e quando o fosse mais viável.
Fingir ser aquele garoto dócil, e esconder seus pensamentos mais obscuros era fácil de se dominar, o difícil era saber até quando.

Quando Júlio César dormiu, sua mãe tentou entrar em seu quarto, mas viu que estava trancado. Ela fez uma ligação e pouco tempo depois foi dormir também.
No outro dia, ele acordou com batidas na porta, e uma voz que não ouvia já há um bom tempo…

NOSSO PRIMEIRO ASSASSINATO - Parte 1 (Drama Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora