O vírus

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Ele acordou e uma fresta leve do sol invadia o quarto pela cortina da janela. Na terceira vez que bateram ele respondeu sem ânimo nenhum que já estava indo.
Se levantou com cuidado para não tocar na ferida, e procurou uma cueca na gaveta para se vestir.
_ O que é? - Ele disse ao abrir a porta.
Seu pai estava parado no corredor frente a sua porta e tinha um olhar carregado, de quem provavelmente não dormiu direito.
_ Pai?
_ Oi. Podemos conversar?
Ele estava sem saber o que dizer, apenas abriu espaço e deixou que o pai entrasse no quarto, sentando - se na beira dela, enquanto o jovem ficou em pé o olhando.
_ O que é isso?
_ Júlio César, eu precisava te ver…
_ Me ver? Porque?
_ Como você está?
O jovem andou pelo quarto e pegou a primeira camisa que encontrou, vestindo-a.
_ O que parece? Estou ótimo!
_ Olha só para você. Que merda fizeram contigo, hein?
_ Isso não é da sua conta.
_ Júlio, me respeite! Ainda sou seu pai.
_ Deixou de ser quando largou seu filho para trás.
_ Pelo amor de deus! Eu não te deixei, sempre penso em você, te mando dinheiro, pago sua faculdade…
_ Dinheiro? Que se foda esse dinheiro! Eu não vou aceitar que você volte aqui depois de tudo, e pense que está tudo bem, só porque cumpriu com sua obrigação por lei de pagar minha faculdade.
_ Por favor, não quero brigar com você. Olha só esses machucados, sua boca está inchada.
_ Foi a mamãe quem te chamou, não foi?
_ Estamos preocupados, preciso de levar a um médico e pedir para olhar isso aí. - O pai apontou para sua costela.
_ Ninguém vai me tocar.
_ Mas quem fez isso com você? Porque?
Júlio César riu.
_ Você não vai querer saber.
_ Ora! Claro que sim! Me conte e vamos resolver isso juntos.
_ Não tem o que resolver pai, o que acontece é que o seu filho é gay, e está sofrendo por ser algo que não pediu quando nasceu.
Omar travou por um tempo o olhar, sua boca tremeu como se quisesse abrir para falar algo, mas ele a conteu e a reação não diferiu da que o menor já aguardava.
_ Ga-gay? - Ele gaguejou depois de um tempo.
_ É... Muito gay pelo visto. Pensei que estava conseguindo esconder, mas parece que todos sabiam antes mesmo de eu se quer pensar sobre o assunto. Não é curioso?
_ Júlio…
_ Relaxa, eu não preciso que diga nada. Agora que minha mãe me apoia, eu simplesmente não ligo para mais nada que ninguém fale sobre mim.
_ Mas filho… gay? Quer dizer… Você tem certeza disso?
O jovem se irritou.
_ Ué… Eu fui lá e beijei um garoto, gostei. E ontem mesmo, beijei a boca de outro, caraca aquilo foi muito bom, então sim pai, eu sou GAY.
_ Você sabe que se escolher esse caminho…
_ Escolher o quê? Eu não estou escolhendo nada, somente aceitando os fatos! Eu nunca gostei de mulheres, e você deveria saber disso… Ah é, me esqueci que você estava ocupado demais traindo minha mãe e não prestou atenção em seu filho.
Omar ficou em silêncio, sentia culpa e transparecia isso. Fora ensinado ao pensamento arcaico de que homens que se relacionavam com outros homens eram passíveis de irem para o inferno, por ser pecado. Essa alienação religiosa entrava em combate, com a vontade enorme de abraçar o filho ferido e cuidar dele.
_ Ficou mudo, é?
_ Júlio César eu nunca imaginei… E olha agora, apanhando por ser assim. Tem certeza de que é o que quer para sua vida?
_ Caralho, de novo isso? Vou facilitar para você… Saia do meu quarto. - Omar o olhou e ia dizer algo, mas foi interrompido. _ Pensando melhor, pai, saia da minha casa! Saia e não volte mais.
_ Júlio, não fale assim!
_ Eu já cresci, e não preciso de você para ficar julgando quem eu devo ser ou não. Você perdeu seu filho quando saiu por essa porta naquele dia.
Omar encheu os olhos d'água, não quis discutir mais, apenas se levantou e seguiu para a sala. Júlio ouviu quando ele sentou no sofá, e começou a conversar com Dora.
Ele se trancou novamente no quarto, e se enfiou para debaixo do cobertor. Ainda tinha sono, e estava bem emocionado por ter visto o pai, após tanto tempo e tudo o que passaram.

A cafeteria estava tranquila na tarde de segunda-feira, Felícia fez o favor de pedir para todos os cafés e já trazer os donuts para a mesa. Estavam os três amigos ali, em seu local sagrado de quase toda a tarde, mas dessa vez acompanhados de mais duas pessoas.
Sara já praticamente fazia parte de tudo o que eles faziam, e a novidade era ele, Ravi.
O moreno com traços latinos marcantes se sentou ao lado de Júlio César na ponta do banco, o pequeno estava no meio, pois do seu outro lado escorado na parede preguiçosamente estava Wesley, com uma das pernas enormes sobre a do menor.
_ Como se você fosse aceitar tão fácil assim, não é!? - Sara disse sorrindo, tentando ser agradável.
Júlio a deu um voto de confiança e sorriu.
_ Meu pai merece um troféu, de cara de pal do ano. Eu estou tão irritado com isso.
_ Está se irritando muito ultimamente. Deveria parar de andar com esse daí… - Felícia apontou com suas unhas de gel grandes e rosas para Wesley.
_ O que é? Uma espécie de vírus que eu transmito e deixo as pessoas mais violentas?
_ Ou talvez mais desapontadas. - Júlio disse isso, olhando para Sara, que desviou o olhar.
O café chegou e eles já foram logo tomando, enquanto estava quente.
_ Não sei se agradeci vocês o suficiente…
_ Júlio César você já disse trezentas vezes “ muito obrigado”. Vou te fazer pagar esse café da próxima. - O loiro disse dando um empurrão leve no amigo.
_ Pode deixar que eu pago. E vou agradecer a você novamente Ravi, porque eu não ia conseguir chegar em casa bem se tivesse de andar aquilo tudo, com essa costela esfarelando.
_ Ah imagina! - O moreno riu. _ Mas sinto em dizer, que eu sim vou te cobrar por isso.
Ravi pegou mão do menor e a segurou, ele estranhou no início, mas depois devolveu o aperto. Se olharam por alguns segundos, até que Felícia fingiu estar tossindo e Júlio se virou para eles novamente.
_ Bom… já que não foi à faculdade hoje, precisa pegar o que foi passado.
_ Acho que também não vou amanhã, Felícia. Mas não se preocupe, eu pego com o Wes, depois. - O amigo o olhava sério, e com uma cara nada simpática. _ Não é, Wes?
_ Hm… Sim, pode ser…
Disse isso e se virou para olhar para o movimento lá fora, Júlio não gostou muito dessa mudança de humor dele.
_ Mas tem certeza de que ninguém comentou nada sobre a confusão, lá?
_ Não Ju. Não vi também ele, só alguns dos amigos.
_ Ouvir dizer que ele estava “ gripado “. - Sara completou Felícia.
_ Gripado… Com o soco que eu dei naquela cara dele.
_ Wesley…
_ Que foi? Vão ficar me cortando toda vez que eu falar o que penso?
_ Calma! - A amiga gritou. _ Vai querer brigar comigo agora? Eu te enfio esses donuts pelo nariz!
Ele riu.
_ E seu irmão, Ravi? Não falou nada contigo?
_ Na verdade não, Júlio. Ninguém pergunta e ninguém fala, e assim que a gente funciona. Mas relaxa que, depois disso tudo eu também gostaria de dar um belo soco em Bruno e o ensinar o que é bom… Estou com você.
Júlio César sorriu, sendo pego novamente trocando olhares com o outro.

Um tempo depois eles saíram da cafeteria e foram seguindo todos em direção à casa do menor, já que ele estava todo machucado queriam o mimar um pouco mais que o normal.
_ Amigo ele é tão sexy…
_ Quem Felícia?
_ Ora, o Ravi.
_ Ah sim… é, ele é bem sexy e beija bem.
_ Eu quero muito saber dos detalhes do que aconteceu lá no evento.
_ Um dia te conto. Mas envolve mãos geladas, e muita ereção.
_ Aí caraca! - Ela soltou um gritinho exasperado. Eles estavam um pouco mais atrás dos outros, quando Wesley parou de andar e esperou que o menor o alcançasse.
_ Podemos conversar, Júlio?

NOSSO PRIMEIRO ASSASSINATO - Parte 1 (Drama Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora