capítulo 01

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ELE ouviu os comentários divertidos murmurados ao descer o corredor em direção ao centro de cardiologia do St. Mary's Hospital e foi difícil não sorrir. Acabara de ser entrevistado aquela manhã num programa de televisão sobre seus hábitos na sala de cirurgia. O repórter havia mencionado que o Dr. Alfonso Herrera gostava de ouvir o grupo de rock “Desperado” durante as cirurgias cardiovasculares pelas quais era conhecido mundialmente. As enfermeiras e técnicos do centro de cardiologia onde trabalhava brincaram a respeito daquilo o dia inteiro. Eram uma equipe da qual ele próprio fazia parte e, portanto, não se ofendeu com a gozação. Na verdade, alguns deles também eram fãs do grupo do estado de Wyoming.

Os olhos verdes sobressaíam no rosto moreno, bonito e magro enquanto passava em seu uniforme verde, procurando a mulher de um paciente em quem acabara de substituir uma válvula cardíaca em mau funcionamento.
Ela não estava na sala de espera do segundo andar. A enfermeira do centro, inadvertidamente, pedira que aguardasse na sala de espera do lobby principal e, quando ele ligara para lá, a mulher de meia-idade desaparecera. O marido milagrosamente sobrevivera, graças à habilidade de Alfonso e algumas orações. Fora trazido com uma válvula perfurada agravada pela pneumonia. Tinha boas notícias para a mulher, se a encontrasse.

As portas do elevador se abriram e, quando ele se virou, lá estava ela, rodeada pelo filho adolescente, que usava um casaco preto comprido, vários membros da família do marido e uma das capelas do hospital, a seu lado praticamente desde o início daquilo tudo, 48 horas antes. Os olhos vermelhos e inchados de tanto chorar sinalizavam um pedido desesperado.

Alfonso sorriu, respondendo à pergunta que ela parecia recear fazer.

— A operação foi um sucesso — disse sem rodeios. — Ele tem um coração forte.

— Graças a Deus e ao senhor. Obrigada. — Apertou-lhe a mão.

— De nada — respondeu Alfonso com um sorriso gentil. — Fico feliz por poder ajudar. — O cardiologista, um jovial afro-americano que estava ao lado do cirurgião, sorriu. Fora ele quem explicara à família o procedimento de cateterismo bem como a cirurgia para substituição da válvula, oferecendo conforto e uma dose de esperança. A mulher apertou-lhe a mão e abriu um largo sorriso, agradecendo a ele também.

O Dr. Ben Copeland deu de ombros.

— É para isso que estamos aqui — disse, retribuindo o sorriso. — Seu marido está na UTI no final do corredor. Há uma sala ao lado onde pode esperar até que o liguem aos monitores. Então, poderá vê-lo. — Mais agradecimentos e lágrimas. Pediram a uma enfermeira que mostrasse à aliviada família o local de espera até receberem autorização para visitar o paciente.

— Às vezes — disse Ben —, assistimos a milagres. Não teria apostado um centavo na chance de recuperação do homem quando ele chegou.

— Nem eu. — assentiu Alfonso com seriedade. — Mas, vez por outra, temos sorte. — Suspirou espreguiçando-se. — Eu podia dormir uma semana inteirinha, mas ainda estou de plantão. Você vai para casa, sortudo. — Ben sorriu.

Despediram-se com um aperto de mão. Alfonso foi visitar dois outros pacientes operados que conseguira, com a ajuda de Deus, salvar do abismo. Tivera três cirurgias de emergência naquele que deveria ter sido um tranqüilo domingo de plantão, estava tenso, dolorido e muito cansado, mas um cansaço gostoso. Parou na janela olhando com satisfação a enorme cruz iluminada na parede principal do hospital. As preces às vezes eram atendidas. As deles o haviam sido aquela noite.

Examinou os pacientes, aviou receitas, vestiu-se e foi ao hospital municipal O’keefe, do outro lado da rua, visitar três outros pacientes. Também precisava ir ao hospital universitário Emory, em Decatur, a caminho de casa, para visitar um paciente pronto: receber alta. Depois de cumpridas as obrigações, foi para casa. Sozinho.

O apartamento espaçoso não era a casa de um homem rico. Preferia a simplicidade, uma reminiscência da infância num subúrbio de Havana. Pegou um exemplar do livro Cuentos, de Pio Baroja, e deu um sorriso triste ao ver a dedicatória que conhecia de cor: "Para Alfonso, de Diana, com todo o meu amor." Ela era sua mulher, falecida havia apenas dois anos, de pneumonia. Morrera enquanto ele estava no exterior, realizando uma complicada cirurgia num diplomata muito importante. Morrera por negligência, pois a prima a deixara sozinha a noite toda e o líquido nos pulmões, combinado a uma febre altíssima, a matara.

Que ironia, pensou, não estar em casa na única vez em que, de fato, precisaram dele... Deixara Diana com a prima mais nova, Anahí, uma enfermeira diplomada. Ele achou que poderia confiar nela, más ela deixara Diana e, ao voltar, sua esposa já se fora. Ainda culpava Anahí pela negligência. Ela tentara desesperadamente explicar-se, mas ele se recusara a ouvir. A culpa dela não estava evidente a todos? Até mesmo à tia e ao tio dela, que a culparam com tanta veemência quanto ele?

Repousou o livro, passando o dedo afetuosamente na capa. Baroja, um famoso espanhol do início do século XX, médico e escritor, seu autor favorito. Muitas das histórias desse livro narravam à vida do escritor num subúrbio de Madri, antes da descoberta dos antibióticos. Histórias de dor, tragédia, solidão e, acima de tudo, esperança. A esperança era sua marca registrada. Quando tudo mais falhava, havia ainda a fé num poder superior, a esperança por um milagre. Naquela noite, havia acontecido um deles, para aquela senhora cujo marido estava na UTI. Alfonso estava contente, pois aquelas pessoas tinham um casamento feliz, amavam-se, assim como ele e Diana. Pelo menos no início... Suspirou e foi até a cozinha. Abriu a geladeira.

— Ai, ai, ai — ele murmurou para si mesmo enquanto olhava o que havia lá dentro. — Você é um cirurgião mundialmente famoso, Sr. Herrera, e hoje à noite vai se banquetear com comida congelada: frango emborrachado e brócolis quase cru. Que decadência!

A campainha do telefone fez com que erguesse a cabeça e as sobrancelhas. Para todos os efeitos, estava de plantão até a meia-noite. Podia ser uma emergência. Ele atendeu.

— Herrera — disse prontamente.

Um momento de silêncio.

— Alfonso?

Sua expressão ficou séria. Conhecia tão bem a voz que duas simples sílabas bastavam para identificá-la.

— Sim, Anahí — disse com frieza — O que você quer? — Uma breve hesitação, também familiar.

— Minha tia quer saber se você vai à festa de aniversário do meu tio.

Que forçação de barra. Ela não era íntima dos tios. Nunca fora, mas o afastamento tornara-se mais perceptível depois da morte de Diana.

— Quando é?

— Você sabe.

Ele suspirou, zangado

A paciente (Adaptada) ayaOnde histórias criam vida. Descubra agora