capítulo: 09

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Ele tentou, sem êxito, engolir as palavras frias.

— Que maneira estranha de demonstrar afeto — murmurou secamente. — Deixá-la sozinha num apartamento para morrer.

Tão logo as palavras saíram, arrependeu-se, mas já era tarde.

Anahí fechou os olhos. Ficou tonta, como vinha acontecendo ultimamente. A respiração saiu entrecortada. Cruzou as mãos no colo e tentou controlar-se, não se denunciar. Alfonso era um excelente cirurgião. Não conseguiria esconder seu estado se ele a examinasse mais atentamente, e ele poderia comentar alguma coisa na administração. Levantou a cabeça momentos depois, pálida, porém mais firme.

— Preciso ir — disse e, devagar e cuidadosamente, levantou-se da cadeira, segurando-se para se apoiar.

— Você tem dormido? — perguntou ele de repente.

— Quer saber se minha consciência culpada me permite dormir? — ela devolveu, sorrindo friamente. — Se lhe interessa saber, sim. Eu teria salvado Diana, se pudesse...

Ela dava a impressão de cansaço, como se não tivesse comido ou dormido.

— Você nunca me contou exatamente o que aconteceu — disse ele.

A afirmação a surpreendeu.

— Eu tentei — lembrou-o. — Tentei contar a todos vocês, mas ninguém se interessou pela minha versão da história.

— Talvez eu me interesse agora.

— Está dois anos atrasado — disse, pegando a bandeja. — Eu teria contado a vocês com o maior prazer na ocasião, mas não vou me dar ao trabalho de contar agora. Já não importa. — Os olhos sugeriam total ausência de sentimentos ao encontrar os dele, não traindo o tumulto em seu peito. — Não me interessa o que pensam a meu respeito. — Virou-se e caminhou devagar, sem olhar para trás ao atravessar a porta em direção aos elevadores dos funcionários.

Os olhos verdes de Alfonso a seguiram, arrependidos. Ele parecia incapaz de deixar de magoá-la. E ela não precisava disso. Movia-se mais devagar nos últimos dias. Parecia não ter interesse em nada além do trabalho. No hospital, corriam boatos sobre romances e rompimentos, mas nunca ouvira o nome de Anahí associado ao de ninguém. Ela não namorava. Mesmo quando morava na casa da família de Diana , andava sempre com o nariz enfiado num livro médico, estudando para as provas. Formou-se em enfermagem com notas máximas, lembrou-se, o que não era de se estranhar.

Bebericou o café, lembrando-se da primeira vez em que a vira. Encontrara Diana num jantar beneficente e a atração fora instantânea. O namorado de Diana havia sido convocado pelo chefe para uma reunião tardia e Alfonso oferecera-se para levar a linda loira em casa. Ela aceitou de imediato. Morava numa enorme mansão georgiana, nos arredores de Atlanta, num bairro sofisticado. Os pais estavam na sala de estar assistindo ao jornal da madrugada quando ela o apresentou. A princípio, mostraram-se reservados até a filha falar de sua profissão e de como se tornava famoso.

Anahí estava em casa, enroscada num sofá perto da lareira, com um livro de anatomia na mão e óculos pendurados no nariz. Ainda se lembrava de seu olhar quando ele e Diana aproximaram-se dela. Aqueles grandes olhos meigos azulados iluminaram-se com uma espécie de fogo suave, enormes, luminosos e cheios de segredos. Ele notou, no rosto radiante e no leve tremor da pequenina mão, ao serem apresentados, ter lhe causado uma profunda impressão. Mas ele só tinha olhos para Diana. Anahí retraíra-se com um sorrisinho desanimado.

Nas semanas seguintes, enquanto cortejava Diana, Anahí mal aparecia. Não fora convidada a tomar parte do casamento. Mais tarde, ele envergonhou-se ao lembrar-se de como Diana insultara a prima. Não quisera incluí-la em seu séquito. Nutria um ciúme doentio da prima. Parecia deliciar-se em encontrar meios de derrubá-la, fazê-la sentir-se indesejável ou inferior.

Diana era linda, sociável, segura de si e talentosa. Mas era vazia, ao contrário de Anahí. O ciúme ensejara uma terrível discussão antes da viagem de Alfonso a Paris, antes da morte de Diana. Ele fechou os olhos e estremeceu por dentro, lembrando-se da conversa. Ele havia culpado Anahí por tudo, até por aquilo, quando a culpa era igualmente sua. O movimento na mesa ao lado o trouxe de volta das reflexões. Olhou o relógio e, apressadamente, terminou o almoço. Hora de voltar ao trabalho.

Anahi Agradeceu e foi embora, apertando a receita que o persuadira a dar-lhe para estabilizar o batimento cardíaco e afinar o sangue. Assim ganharia um pouco mais de tempo antes da cirurgia. Em três semanas, teria o suficiente para pagar dois meses adiantados de aluguel. Se o seguro pagasse oitenta por cento da conta do hospital, como previsto, ela poderia se virar financeiramente.

— Você parece doente — murmurou Cristopher uckermann quando ela chegou à ala.

Christopher era um técnico de enfermagem dos bons. Começara a trabalhar no hospital mais ou menos na mesma época que Anahí, havia quatro anos. Era seu único amigo, embora fosse apenas uma amizade de colegas de trabalho. Christopher estava apaixonado por uma jovem médica residente da emergência. Ela o ignorava. O amor não correspondido os unia, embora Christopher não soubesse por quem Anahí se consumia.

— Eu me sinto realmente doente — contou.

Ele inclinou a cabeça e a observou detidamente.

— Está com uma cor péssima.

— Eu sei. — Anahí respirou fundo. — Vou ficar bem. O médico receitou um remédio para estabilizar o batimento cardíaco.

— Conte para mim.

Ela sorriu e balançou a cabeça.

— Não. Isso é problema meu. Eu cuido disso.

— Você me preocupa. Por que as enfermeiras nunca admitem que estão doentes?

— Muita força e pouco raciocínio? — aventurou-se e riu. — Ande logo. Temos medicamentos para ministrar, o almoço está a caminho e os médicos vão começar as visitas. Ao trabalho.

— Primeiro as damas — disse ele com afetação.

Um paciente com problemas na válvula foi levado uma hora antes de Anahí terminar seu turno. Ela supervisionou as grades da cama, ligou o oxigênio e o soro, checando o prontuário para verificar os outros medicamentos prescritos pelo cirurgião. Era uma das pacientes de Alfonso. Reconheceu a assinatura no formulário.

A mulher abriu os olhos. Parecia pálida, doente e assustada. Anahí colocou a mão em sua testa e suavemente afastou os cabelos grisalhos da pele fria e úmida.

— A cirurgia já terminou. Vamos cuidar muito bem da senhora. Sou Anahí. Caso precise de alguma coisa, aperte este botão. — Guiou os dedos finos da mulher até o botão na grade da cama. — Tudo bem?

— A garganta ressecada — respondeu a mulher com voz rouca. — Tão... Ressecada.

— Alguém da família ficará com a senhora?

— Ninguém — foi à resposta melancólica. Fechou os olhos num suspiro. — Ninguém... Nesse mundo.

O coração de Anahí ficou apertado. Era assim que se sentia e assim ficaria depois da cirurgia: sozinha, sem um amigo sequer para segurar-lhe a mão. Faria a cirurgia na cidade de Macon, para se assegurar de que Alfonso não tomasse conhecimento. Então, nem mesmo Christopher estaria ao seu lado. Que pensamento desolador!

— Vou pegar um pouco de gelo — prometeu. — Isso há ajudará um pouco. Também está na hora do seu remédio. Vou buscar.

— Obrigada — sussurrou a senhora com voz rouca.

— É minha obrigação — respondeu com um sorriso gentil. Volto já. — Foi até a máquina de gelo e encontrou a esposa de um dos pacientes enchendo um balde.

— Sou supérflua — disse com um sorrisinho cansado. — Ele pode servir-se de suco e pegar o gelo; agora só sirvo para fazer-lhe companhia nos comerciais dos programas de TV.

Anahí pestanejou.

A paciente (Adaptada) ayaOnde histórias criam vida. Descubra agora