capítulo 02

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— Se não estiver de plantão no próximo domingo, irei. — Mexeu num pedaço de papel sobre o vidro imaculado da mesinha de telefone. — Você vai? — perguntou em tom lúgubre.

— Não — respondeu sem demonstrar nenhuma emoção. — Levei o presente dele hoje. Eles viajaram e só voltam no final de semana, por isso me pediram para ligar. — Fez-se outra pausa. — Direi a minha tia que você vai. — E desligou.

Ele colocou o telefone no gancho e manteve a mão no aparelho frio como as profundezas de seu coração, onde Diana vivia. Jamais conseguiria dissociar a morte da mulher, de Anahí, que poderia ter-lhe salvado a vida se tivesse estado em casa.

De certo modo, tinha consciência de que aquela raiva era irracional. Mas ele havia guardado o rancor, alimentando-o com ódio, atiçando as chamas para afogar a dor de perder Diana daquela maneira. Obrigara-se a esquecer que Anahí amava Diana e sofrera tanto quanto ele. Ele a odiava e não conseguia disfarçar. Odiar Anahí era seu consolo, seu alívio, sua segurança.

Necessário admitir que ela nunca o acusara de injustiça ou irracionalidade. Apenas ficara fora de seu caminho. Trabalhava no hospital O’keefe, bem em frente ao hospital St. Mary, onde ele realizava a maior parte de suas cirurgias. Era uma das duas enfermeiras que se alternavam nos plantões noturnos em uma ala emergencial. Por vezes, ele a tinha em sua unidade, mas mesmo lá a tratava como um estorvo. Embora dona de um diploma universitário em enfermagem, de talento e inteligência para se tornar médica, por algum motivo, nunca seguira a carreira. Também nunca se casara. Tinha 25 anos, era madura e equilibrada, mas não havia nenhum homem em sua vida. Assim como não havia nenhuma mulher na de Alfonso.

Voltou para a cozinha e preparou um bule de café. Precisava de poucas horas de sono e o trabalho era sua vida. O que teria feito ao perder Diana se não tivesse a carreira?

Sorriu, lembrando-se com tristeza da beldade morena, dos olhos esverdeados tão vivos que sorriam com tanto afeto. Anahí tinha uma cópia mal-acabada dela, com cabelos loiros, olhos azuis e nada que chamasse a atenção. Diana era linda, postura sofisticada e boas maneiras. A família era muito rica. Anahí não precisava trabalhar, pois era a única herdeira sobrevivente da fortuna dos vásquez . Mas, aparentemente, não tinha muito com que gastar dinheiro, pois se vestia mal, mesmo quando não estava trabalhando. Morava sozinha e nunca pediu aos tios um centavo de ajuda. Qual seria a resposta deles caso ela pedisse? Mas que tolice a dele perder tempo pensando nela!

Anahí tinha sido um mistério desde que ele conhecera Diana seis anos antes. Diana era extrovertida e sociável, sempre flertando, uma companhia divertida. Anahí, muito quieta, raramente se manifestava. Não tinha vida social. Estudiosa e reservada fazia estágio como enfermeira e sua profissão parecia ser a coisa mais importante de sua vida.

Alfonso franziu o cenho. Estranho que uma mulher tão dedicada à profissão pudesse ter sido tão negligente com a própria prima.

Anahí era tão responsável que costumava ter sua atenção chamada por questionar receitas que lhe parecessem inaceitáveis. Talvez tivesse inveja de Diana. Mesmo assim, por que chegaria a ponto de deixar uma mulher seriamente doente num apartamento durante quase duas noites?

Um dos colegas de Alfonso mencionara o nome de Anahí logo após o funeral e comentou a gravidade da situação, principalmente o estado dela. Ele retrucara que ela não lhe dizia respeito e afastara-se. Agora se perguntava o que o homem quisera dizer. Fazia muito tempo, é claro, e o colega havia se mudado para Nova York. Alfonso afastou o pensamento da mente. Ele tinha coisas mais importantes em que pensar.

Naquela tarde de domingo, como não estava de plantão, foi visitar Frederico vásquez , pai de Diana, levando um presente de aniversário: um relógio de ouro. Elsa vázquez recebeu-o na porta com um cafetã de seda de oncinha e o cabelo loiro platinado, preso no alto da cabeça.

— Poncho, quanta gentileza ter vindo! — disse entusiasmada, segurando-lhe o braço. Ela fez uma careta. — Lamento ter pedido a Anahí que ligasse para você convidando-o para a festa. Eu não tive tempo, com todas as obrigações beneficentes, você sabe.

— Não tem problema — ele respondeu automaticamente. Ela suspirou.

— Anahí é um fardo que precisamos carregar. Felizmente não a encontramos, exceto no Natal e na Páscoa e, mesmo assim, só na igreja.

Ele a fitou com curiosidade.

— Vocês a criaram.

— E você acha que eu deveria nutrir algum sentimento por ela? — Elsa deu um sorriso amarelo. — Ela era filha do único irmão de Frederico, então fomos forçados a recebê-la quando os pais morreram. Não foi por opção. Ela sempre atrapalhou. Vai ser solteirona, aposto. Já se veste como uma mendiga e, querido, nunca a convido para as festas. Ela é tão deprimente! Sempre foi assim, mesmo criança. Diana era diferente: meiga, afetuosa. Desde que nasceu passamos a viver em função dela. Anahí foi criada pela minha mãe até ela morrer. Ela era um peso. Ainda é.

Estranho, Alfonso sentiu uma ponta de pena da menininha triste obrigada a morar com pessoas que não a queriam. Foi direto ao ponto:

— Vocês não amam Anahí?

— Meu querido, quem pode amar uma mulher tão apagada? Gosto dela, mas nunca esquecerei que por causa dela perdemos nossa Diana. Como, aposto, você também não — acrescentou, dando-lhe um tapinha confortador no braço. — Todos sentimos tanta falta dela...

— É verdade.

Frederico, esparramado em sua poltrona favorita, a careca refletindo a luz do lustre de cristal, levantou a cabeça da revista de iatismo quando os dois chegaram.

— Poncho! Que bom que você veio! — Colocou a revista de lado e levantou-se para apertar calorosamente a mão do genro.

— Trouxe uma lembrancinha — disse Alfonso, entregando o embrulho elegante.

— Quanta gentileza! — Sorrindo, abriu o presente e ficou entusiasmado com o relógio. — Era exatamente o que eu queria. Tenho um relógio esportivo, mas posso usar esse no Iate Clube. Obrigado.

Alfonso abanou a mão no ar, indicando que o agradecimento não era necessário.

— Fico contente por ter gostado.

— Anahí deu uma carteira - disse Elsa com desprezo.

— De pele de enguia — informou Frederico, sacudindo a cabeça. — A moça não tem imaginação.

Alfonso lembrou-se de onde ela morava, de suas roupas. Aparentemente, tinha muito pouco dinheiro, nada pedia aos tios e carteiras de pele de enguia eram caras. Imaginou o sacrifício para poder dar ao tio aquele presente pelo qual ele demonstrava tanto descaso. Alfonso sabia como era ser pobre. Mostrava gratidão por qualquer presente recebido, por mais simples que fosse.

A paciente (Adaptada) ayaOnde histórias criam vida. Descubra agora