Fora de sua calma habitual, fez sinal para a enfermeira do andar.
- Fui informado de que a identidade dessa mulher era desconhecida - disse com irritação.
- Ela não trazia nenhuma identificação.
- É prima da minha falecida esposa - esbravejou, o punho cerrado. - Jamais a teria operado se soubesse quem era.
Ela ficou abalada com sua raiva e recuou.
- Estou segura de que ninguém sabia. Pensamos que fosse uma indigente.
- Ela é enfermeira - interrompeu-a, irritado. - Trabalha no CTI do centro cirúrgico do O'keefe. - Enquanto falava, recordou-se do modo injusto como tratara Anahí, gravemente enferma e escondendo de todos a doença. Odiou-se ao pensar na injustiça. Ela poderia ter morrido. - Como ela chegou aqui? - perguntou à enfermeira. - E sem nenhuma identificação? Com certeza, tinha uma carteira.
- Não sei.
Ele observou o rosto pálido, cansado, sem expressão devido à anestesia. Olhou a pequenina mão da qual pendiam tubos. As unhas curtas, redondas, sem esmalte. Mãos elegantes, mas eficientes. Um problema cardíaco, uma válvula defeituosa. E não contara. Por quê? Teria tido medo de deixar que a operasse, receosa de que seu desprezo e antipatia pudessem interferir? Era torturante pensar naquilo.
- Vou ver se descubro como chegou aqui - disse a enfermeira.
- Esqueça. - Girou nos calcanhares, impaciente. - Eu mesmo descubro. Avise se houver qualquer alteração no quadro.
- Sim, doutor.
Ele parou para examinar outro de seus pacientes e, com um último olhar preocupado em direção a Anahí, desceu até a sala de emergência. Levou alguns minutos para descobrir que Anahí desmaiara no ônibus e havia sido levada para a emergência numa ambulância, sem nenhum documento de identificação. Possivelmente, ao desmaiar, alguém lhe furtara a carteira, supôs. As roupas que usava estavam num saco plástico que deixou no carro, planejando levá-las para o apartamento dela. Não tinha a chave, então procurou o proprietário do prédio.
- Notei que ela trancou as chaves no carro hoje de manhã - disse o homem, num tom seco - A bolsa e tudo mais. Eu a vi sair apressada para pegar o ônibus. Precisou correr. Imagino que esteja chateada.
- Ela escapou por um triz - disse Alfonso laconicamente. - Foi submetida a uma cirurgia cardíaca hoje de manhã. Ficará fora vários dias.
O proprietário ficou chocado.
- Uma moça tão boa, tão quieta... - comentou. - Sempre tem uma palavra gentil e um sorriso para todos. Vamos sentir falta dela. Por favor, diga que eu e minha mulher desejamos que se recupere logo e que cuidaremos do apartamento até ela voltar. O senhor deseja pegar alguma coisa?
- Talvez mais tarde, depois que tiver falado com ela. - Ele teria não apenas que pegar as coisas dela, mas também a gatinha. Ela morreria se ficasse abandonada. Além do mais, Anahí não queria que o proprietário soubesse da existência dela. A posse de animais ia de encontro ao regulamento do prédio.
- Se precisar de alguma coisa, basta me procurar. O senhor é parente dela?
- Sou - respondeu sem maiores explicações. Saiu com a intenção de ir para casa jantar. Mas não conseguiu. Involuntariamente, tomou o rumo do hospital.
Ela ainda não havia recobrado a consciência. Não era raro, mas ele se preocupou. Examinou-a cuidadosamente com o estetoscópio, percebendo o ritmo uniforme da nova válvula de metal que fazia um som suave de chink-chink ao abrir e fechar. A válvula duraria vários anos e a qualidade de vida melhoraria, pondo fim à falta de ar ao menor esforço, aos batimentos irregulares e à fadiga.
Franziu a testa, pensando em quando ela descobrira ser portadora dessa deficiência. Com certeza fora avisada e consultara um médico quando passou a ter problemas. A julgar pela condição da válvula, era impossível ela não ter notado que algo ia mal. Sua palidez o alertara sobre um problema físico. Aquela curiosidade levou-o a outras.
Sentou-se na cafeteria, comendo sem sentir o gosto da comida. A mente continuou a vaguear. Por que nunca contara a ninguém? Sofrera alguma crise grave? Por acaso os tios sabiam que algo não ia bem? Eles se importaram?
Não podia deixar de notar a diferença de tratamento dos vásquez desde a morte da filha. Como ele próprio, jogaram a culpa em Anahí. Nenhum deles pensou em outra hipótese, exceto negligência, como a causa do falecimento de Diana. Mas o estado atual de Anahí dava margem a novas suposições.
Terminou de comer, ergueu-se e observou o relógio. Oito horas antes, operara Anahí. Pegou o elevador dos funcionários e foi direto para o cubículo onde Aahí fora instalada. Examinou os diversos monitores aos quais estava conectada. Tudo parecia sob controle. Então por que não recobrava a consciência? Inclinou-se sobre ela.
- Anahí.
Imediatamente os olhos se abriram. O coração dele pulou diante da inesperada, mas satisfatória reação. Os olhos seguiram o rosto moreno curiosamente, como se ela ainda não tivesse recobrado toda a consciência. Ainda continuava sob efeito da anestesia. Ele examinou-lhe as pupilas, pediu um estetoscópio emprestado à enfermeira e ouviu o ritmo constante do coração e dos pulmões. Ergueu a cabeça e buscou-lhe os olhos, percebendo que o tubo de respiração fora retirado.
Ela tentou engolir.
- Tão... Seca. - A voz soou fraca e vacilante.
Ele encontrou o algodão usado para umedecer os lábios, tirou-o do pacote esterilizado e colocou-o dentro de sua boca.
- É o anestésico que deixa um gosto ruim na boca e a garganta ressecada. Vai passar.
Ela pareceu relaxar.
- O que você está fazendo aqui? - conseguiu perguntar, meio tonta.
- Não sabiam quem você era quando a trouxeram para a sala de cirurgia. Eu a operei. - Ela franziu a testa.
- Antiético - sussurrou. Ele deu de ombros.
- Eu não vi seu rosto, não fazia idéia de que fosse você. Ela encontrava dificuldade em manter os olhos abertos.
- O Dr. Myers vai... Ficar... Zangado.
- Myers?
- Do Hospital Geral de Macon. Ele... Ia me operar... Na semana que vem. - Voltou a adormecer, exausta da cirurgia e do esforço de falar. Também sentia dor. As enfermeiras haviam ministrado um analgésico por ele prescrito. Ele se afastou da cama com um suspiro. Aproveitando estar no CTI, examinou outro paciente.
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A paciente (Adaptada) aya
RomanceAlfonso é o último homem de quem Anahí aceitaria ajuda, mas ela estava doente. Como médico, era dever de Alfonso buscar a cura de seus pacientes. Como homem, ele tinha de encontrar um meio de cuidar do coração da mulher que assombrava seus sonhos. S...