Ela desejou responder no mesmo tom. Ele era muito perceptivo. Sabia que não era com ela que ele estava preocupado. Não queria que nada acontecesse a seus pacientes. Que tolice acreditar, por um instante sequer, que o Dr. Herrera pudesse olhá-la com o carinho e a preocupação demonstrados à amada esposa. Olhou os sapatos brancos de amarrar.
- Está bem - disse, exausta, cansada de discutir o inevitável. - Você venceu.
- Isso não é uma competição - disse solene.
- Não? - perguntou, o tom de voz exausto de dor e derrota. - Vou telefonar para o meu médico.
- Fico contente por ter percebido a gravidade do caso.
- Não se preocupe - disse, erguendo o olhar. - Não colocarei propositadamente em risco seus pacientes.
Ele olhou-a zangado.
- Não é esse o motivo...
- Com licença - disse ela formalmente. - Tenho muito trabalho antes de sair. - Pegou a ficha e caminhou para a enfermaria, sem olhar para trás.
Alfonso viu-a partir com sentimentos contraditórios, mais confuso do que nunca em toda a sua vida. Anahí não se permitiu vê-lo deixar a ala. Passara tantos anos morrendo de amores por Alfonso que considerava normal o desprezo por ele demonstrado. Só estava preocupado com sua saúde por causa dos pacientes, e era bom lembrar-se disso. Estava velha demais para ficar sonhando acordada, fantasiando.
Por outro lado, ele tinha razão sobre seu estado de saúde. Apenas adiava o inevitável. Foi para casa e ligou para o cirurgião em Macon. Marcou a cirurgia para a semana seguinte.
Anahí tomou uma xícara de café puro no desjejum. Precisava ir ao trabalho, mas não sabia como agüentaria sobreviver a mais um dia. Olhou-se no espelho do banheiro e viu o rosto pálido e contraído. A arritmia piorara. A respiração saía entrecortada; mal conseguia respirar direito. Ainda bem que marcara a cirurgia. Olhou para o filhote que a seguia por toda a parte. Tinha que arranjar alguém para cuidar dele enquanto estivesse fora. Recusava-se a pensar em sua situação financeira por enquanto.
Apoiou-se na pia e baixou a cabeça. Difícil raciocinar quando as batidas irregulares do coração ressoavam em seus ouvidos, assustando-a. O cirurgião garantira ser, hoje em dia, uma operação simples e comum. Ela gozava de boa saúde, era guerreira e ele tinha certeza de que tudo correria bem. Claro que sim, tranqüilizou-se. Bem que gostaria de ter pedido a Alfonso que a operasse. Ele era o melhor na área. Mas ela achava que ele recusaria. Odiava-a demais.
Saiu de casa e tudo parecia dar errado. O carro não ligou, o que não era novidade. Ouviu o som da bateria morrendo e lembrou-se que o mecânico que recarregara a bateria recentemente avisara para trocá-la. Vinha poupando, na esperança de que a bateria durasse um pouco mais. Bufou examinando o relógio. Precisaria correr para pegar o ônibus, pois já estava atrasada.
Desligou o motor e bateu a porta com força, esquecendo, na pressa, as chaves e a bolsa dentro do carro. Desesperada, olhou a bolsa através do vidro. A carteira, os cartões de crédito, as chaves do apartamento; tudo seu estava ali.
Bem, uma coisa de cada vez. O bairro era seguro e os donos do prédio em que morava cuidavam dos carros. Deixaria para se preocupar com o carro e a bolsa depois. Na capa de chuva, tinha dinheiro para pegar o ônibus e comer alguma coisa no trabalho. Não precisaria das chaves até voltar para casa e, de qualquer modo, o proprietário tinha uma chave mestra e morava no térreo.
Andou com dificuldade até o ponto lotado na esquina e entrou no ônibus que a deixaria na porta do hospital. Outra manhã fria e chuvosa. Preocupada em chegar a tempo no trabalho, não notou que a respiração ofegante, que costumava se acalmar depois de um tempo, não se acalmara. Ela mal conseguia respirar. O batimento cardíaco estava diferente, estranho, assustador. Viu as pessoas ao seu redor, numa bruma que se tornou cada vez mais clara até desaparecer.
Alfonso já estava preparado para mais um dia de trabalho no St. Mary quando trouxeram para a sala de emergência uma pobre coitada, da qual não tinha nenhuma informação. Um de seus colegas já fizera o procedimento de cateterismo que indicara uma válvula cardíaca com regurgitação totalmente deteriorada. Teria que substituí-la por uma prótese e esperar que a mulher não tivesse problemas de saúde que pudessem complicar a cirurgia. Não fazia idéia dos medicamentos tomados ou de seu estado físico além dos problemas cardíacos. Era arriscado operar uma desconhecida, mas não tinha escolha.
A máscara de oxigênio já lhe cobria o rosto quando a equipe se reuniu e ele se preparou para iniciar a cirurgia. A pele era alva, rosada e sedosa, e ele apiedou-se ao pensar na enorme cicatriz depois que ele abrisse e fechasse a caixa torácica.
A cirurgia demorou quase quatro horas. Alfoso esticou-se com dor nas costas, satisfeito não apenas com a cirurgia em si, mas com os pontos ao fechar a incisão.
Teria uma cicatriz fina. Mais tarde, se ela pudesse pagar, recomendaria um bom cirurgião plástico. Nada sabia de sua vida. Podia ser uma mendiga. A única parte que vira havia sido a pele alva e macia. Tinha um coração forte e os pulmões em excelentes condições, à exceção de uma leve bronquite. Fora isso, parecia gozar de boa saúde.
Ela foi levada ao CTI e ele foi cuidar do próximo caso, sem pensar na identidade da paciente. Horas depois, ainda trajando seu uniforme de cirurgia, foi ver a jovem cuja vida salvara. Ela estava ligada às máquinas, o tubo de respiração ainda na boca. Ao ficar ao lado da cama, o coração de Alfonso quase parou. Um técnico de enfermagem o observou, curioso. Sabia que o sangue lhe fugira da face. Era Anahí. Desmaiara devido a um problema em uma das válvulas cardíacas. Sofria do coração e ele não sabia. Ninguém sabia.
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A paciente (Adaptada) aya
RomanceAlfonso é o último homem de quem Anahí aceitaria ajuda, mas ela estava doente. Como médico, era dever de Alfonso buscar a cura de seus pacientes. Como homem, ele tinha de encontrar um meio de cuidar do coração da mulher que assombrava seus sonhos. S...