capítulo: 16

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JÁ ERA tarde quando conseguiu voltar ao CTI para ver Anahí. Sua agenda tinha sido agitada e aproveitou um espaço de tempo entre cirurgias para visitá-la. Sem uma palavra, examinou-a, analisou os monitores e auscultou-lhe o peito.

- Estou bem. Quando posso ir para casa? - Ele arqueou a sobrancelha.

- Muito engraçadinha.

- Eles não me dão nada para beber - reclamou. - E aquela enfermeira baixinha e loira ignora todas as minhas perguntas.

- Vou mandar matá-la - prometeu bem-humorado. - Você será transferida para um quarto particular amanhã de manhã. Contratarei uma enfermeira para ficar ao seu lado.

- Não preciso... - Hesitou e parou para respirar. -... De sua ajuda.

- Obrigado. Eu também gosto de você. - Ele procurou os olhos zangados e sorriu relutante. - Você, definitivamente, melhorou. Volto para examiná-la mais tarde.

Ela piscou, ainda de ressaca da anestesia.

- Durma um pouco - disse afetuoso. Obediente, ela fechou os olhos.

Ele voltou-se para a enfermeira baixinha e loira e fez sinal para que o acompanhasse.

- Eu sei- disse ela erguendo a mão - sou a bruxa do CTI e a torturei sem piedade. - Ela sorriu num pedido de desculpas.

- Ela quer gelo picado a cada cinco minutos, mas tenho dois pacientes que não estão bem como ela, remédios para ministrar e uma das enfermeiras faltou.

Ele deu-lhe um tapinha no ombro.

- Tome duas aspirinas e me ligue de manhã. Vai estar ótima. - Ele saiu antes que ela pudesse fechar a boca.

A ÚLTIMA CIRURGIA foi um desastre. Toda sua competência não bastou para salvar a vida. Saiu para comunicar a família, vazio por dentro ao presenciar-lhes o sofrimento e impossibilitado de ajudá-los. Uma das capelas do hospital apareceu do nada e ocupou-se da família arrasada. Benditas as capelas, pensou ao mudar a roupa. Valiam o peso delas em ouro. Fez uma última visita ao CTI aquela noite. Com a mudança de turno, uma jovem e alegre afro-americana ocupara o posto. Ela lhe deu um sorriso largo.

- Seus pacientes vão sair do andar amanhã, não é?

- Se você diz...

- Eles estão se recuperando bem. A Srta. Portilla jantou tudo. Que apetite!

Ele sorriu.

- Bom para ela. Nenhuma piora no quadro? - Ela sacudiu a cabeça.

- Melhora a cada minuto.

- Obrigado. - Ele parou ao lado da cama de Anahí. Ela já estava totalmente desperta e consciente do ambiente à sua volta.

- Você me operou - recriminou-o.

- Já disse. Não sabia quem era. Você não tinha nenhuma identificação.

- Eu tranquei a bolsa no carro e tive que correr para pegar o ônibus. - Respirou com dificuldade e tocou o peito por cima da camisola do hospital. - Dói.

- Eles vão lhe dar um analgésico - tranqüilizou-a. - Correr para pegar o ônibus provavelmente precipitou a crise. Lembra-se de como se sentia quando desmaiou?

- Não senti nada - lembrou-se. - Vi o chão subindo na minha direção e achei que ia quebrar o nariz. Depois, tudo ficou escuro.

- Não sentiu dor?

- Não que eu me lembre. - Ela examinou-lhe o rosto. - Você parece tão cansado - disse, involuntariamente.

Surpreendeu-se ao se emocionar com sua preocupação.

- Tive um dia longo. E perdi um paciente.

- Sinto muito.

Ele não deixou transparecer nenhuma emoção.

- Faz parte da profissão. Mas sempre me entristece. - Ele observou-lhe o rosto. - Sua cor melhorou muito.

- Quando posso voltar a trabalhar?

- Quando ficar boa. - Ela o olhou, furiosa.

- Vou morrer de fome se não trabalhar.

- Não vai, não. Seu seguro é o melhor da cidade e tem uma cláusula de incapacidade.

- Como sabe?

- Eu verifiquei. Você já está listada no computador. Por falar nisso, liguei para seus tios, mas eles estão viajando.

Os olhos desviaram-se para a cortina.

- Não precisa incomodá-los; eles não gostam de hospitais.

- Você é sobrinha deles. Eles gostam de você.

Ela sabia que não era bem assim, mas não ia discutir com ele. Alfonso devia esperar essa reação.

- Você vai para a ala três leste amanhã.

- A ala cardíaca. Só quartos particulares. Faltam enfermeiras. Vou me deitar e morrer sem ninguém notar.

- Não vai morrer, pois estará ligada ao monitor. Alguém o controla constantemente e os técnicos de enfermagem andam de um lado para o outro. Você vai ficar ótima. Mesmo assim, contratei uma enfermeira particular.

Ela o olhou zangada.

- Não posso pagar.

- Acalme-se. Não estresse sua nova válvula - avisou. - Eu posso pagar. Você é da família.

- Não, não sou - despejou as palavras. - Não temos parentesco algum.

Ele constatou o ressentimento e a hostilidade em seus olhos. Ela tinha todo o direito de se sentir assim. Durante dois anos ele a culpara por um erro que ela não cometera. Tentara explicar e ele se recusara a ouvir. Provavelmente merecia seu desprezo.

Ele enfiou as mãos nos bolsos.

- Você é quem sabe, mas vai ter uma enfermeira particular do mesmo jeito. Vejo você de manhã.

Anahí tinha um monte de coisas para lhe dizer, mas ele não ficou para escutar. Ela viu as costas largas desaparecem pela porta e deu um soco na cama, furiosa. O gesto causou-lhe dor no peito e ela gemeu.

- Precisa de remédio para dor?

- Sim, por favor - respondeu à bonita enfermeira. Quase perguntou se tinham algo que curasse a dor de um pé no saco, mas considerando como o pessoal adorava Alfonso, achou mais diplomático fechar a boca.

Ele não estava brincando quanto à enfermeira, descobriu no dia seguinte. Logo depois do almoço, uma senhora rechonchuda apresentou-se como Srta. Polly Plimm e sentou-se com uma bolsa de tricô. Trabalhara para Alfonso antes. Observou que a mocinha precisaria de ajuda por um ou dois dias e ficou feliz por ter trabalho. Aposentara-se no ano passado e sua falta de atividade começava a atrofiar-lhe os ossos. Pegava gelo picado, tirava-lhe a pressão e a temperatura e examinava a bolsa de urina periodicamente, encorajando a jovem paciente a todo instante.

Christopher visitou a amiga e ficou encantado ao encontrá-la em tão boas mãos. Passara a trabalhar durante o dia e, ao terminar o turno, a visitava. Notou e aplaudiu a melhora, mas preocupava-se com o que aconteceria quando ela recebesse alta. Ela já falava em voltar para o apartamento. Ele esperava que o médico não permitisse. Ela não podia ficar sozinha.

A paciente (Adaptada) ayaOnde histórias criam vida. Descubra agora