Teimosamente, fingiu nada ter acontecido. Mas Alfonso sabia tudo de que precisava acerca de seu comportamento. As roupas velhas, a camuflagem não eram conseqüência de alguma experiência infantil terrível, como suspeitara a princípio. Era para evitar demonstrar como ele mexia com ela, como ela se sentia perdidamente atraída por ele. No instante em que a tocasse, o corpo passaria a lhe pertencer. Agora sabia. Ela, também.Havia uma espécie de arrogância no modo como ele a olhou, como se já a possuísse e conhecesse cada milímetro do seu corpo. Não agiu assim de modo ostensivo, mas ele sabia. Ela foi ficando cada vez menos à vontade conforme os dias passavam, receosa de que ele fosse tomar alguma atitude. Também sentia mais desconforto do que nunca devido à sensibilidade e à dor no esterno, e não conseguia dormir sem analgésicos. Era um alívio ter a enfermeira por perto, não apenas porque ela sabia o que fazer quando Any sentia dor, mas também porque funcionava como um escudo protetor. Apesar da ternura demonstrada nos últimos dias, Anahí não confiava nada nele.
Certamente ele lamentava ter julgado mal o motivo de ela haver deixado Diana sozinha, mas o sofrimento pela perda da mulher amada havia sido bem real. E, independentemente dos demais fatores, a ausência de Any havia sido responsável pela morte de Diana. Alfonso amara a mulher com obsessão. O sofrimento e a raiva não desapareceriam como fumaça só porque Anahí fora submetida a uma cirurgia. Essa era a calmaria antes da tempestade. Quando ficasse curada, não tinha dúvidas de que Alfonso retornaria ao seu antigo e vingativo comportamento, e ela não podia abrir a guarda. A fragilidade era perigosa. Se o deixasse notar como ela se sentia atraída, quem sabe não usaria essa atração em proveito próprio para vingar-se da morte de Diana?
Esses pensamentos e medos a faziam fechar-se quando ele estava por perto e simular distanciamento e formalidade. Alfonso parecia esperar por essa reação.
Enquanto isso, ele tentava ao máximo manter afastada a lembrança de Anahí em seus braços. Ela estava fraca e muito vulnerável em seu estado atual. Além do mais, era sua hóspede. Não tinha o direito de tirar vantagem disso.O problema é que seus sentimentos em relação a ela haviam sido tão reprimidos ao longo dos anos que agora precisava lutar para mantê-los sob controle. Nunca havia realmente assumido o que sentia até a súbita e alarmante doença de Anahí. Mesmo agora era difícil admitir os sentimentos, mesmo na privacidade dos próprios pensamentos.
Não demorara dois meses para reconhecer ter cometido um grave erro casando-se com Diana. Mas sua honra e orgulho o haviam forçado a tentar manter um relacionamento abençoado pela igreja. A tradição o fizera manter-se fiel aos votos. Ninguém conhecia seus verdadeiros sentimentos, pois ele os escondia. Professava eterna devoção à mulher, mostrava ao mundo que o amor verdadeiro superava as mais românticas expectativas. Porém, por trás dos sorrisos e das mentiras, reinava um casamento frio entre duas pessoas totalmente incompatíveis. A beleza de Diana o deixara cego quanto à sua verdadeira natureza, exatamente oposta à de Anahí.
Tomou o café, sentado na cafeteria do hospital, num breve intervalo entre cirurgias, tomado por um cansaço que não lhe era comum. A morte de Diana o fizera perceber quão estéril havia sido o casamento deles. A culpa de deixá-la tantas vezes sozinha assumira, na época, grandes proporções e tinha sido conveniente culpar Anahí por abandonar a prima. A culpa alimentara a censura. Anahí pagara um preço alto pela morte da prima. Agora, tudo parecia fútil e cruel. Como pudera jogar toda a responsabilidade nos ombros de uma mulher doente que poderia ter morrido naquela noite?
Os vásquez, sem dúvida, experimentavam o mesmo sentimento de culpa. Recebera um recado e precisava retornar a ligação do sogro. Anahí não manifestara o menor desejo de ver os tios desde que recebera alta, e o pedido para visitá-la fora recusado sem explicações. Eles, assim como Alfonso, queriam uma nova chance. Anahí obviamente não pretendia dá-la.
Ele terminou o café e esticou-se. Que sentimentos nutria Anahí pelo amigo Christopher?, que se sentia à vontade para levar-lhe flores e se sentar com ela horas a fio? Ele não gostava do cara, sem um motivo lógico. Admitir que sentia ciúmes seria demais. Com um longo suspiro, olhou o relógio e fez uma careta; hora de voltar ao trabalho. Ficou grato por ter alguma coisa com que ocupar a mente. Ultimamente seus pensamentos eram péssima companhia. Surpreendeu-se ao encontrar os vásquez esperando no consultório. O tio foi o primeiro a falar, depois de se sentarem no ambiente simples, mas confortável.
— Queremos saber o que podemos fazer por ela — disse a Alfonso sem rodeios.
— Sim — acrescentou Elsa baixinho. — Deve haver alguma coisa: a conta do hospital, terapia, o salário...
— Ela não fala conosco — continuou o tio, interrompendo a esposa na pressa de falar. — Não a culpamos por isso, você sabe. Só queremos ajudar. Não fomos justos — concluiu pouco à vontade.
— Nem eu — afirmou Alfonso. — Todos jogamos a culpa nela. Ela sofreu um ataque cardíaco naquela noite, ou pelo menos assim acredita o médico. — Já havia comentado com eles, mas não sabia ao certo se recordavam. — Ele a sedou enquanto ela tentava explicar o estado de Diana. — Ele cruzou as mãos na escrivaninha de tampo reluzente. — Anahí se sente culpada até disso, mas nenhum de nós pensou em seus sentimentos. Ela também amava Diana. Não lhe permitimos ir à missa, sentir que fazia parte da família, nem mesmo compartilhar de nosso luto.
Elsa mordeu o lábio inferior para conter as lágrimas sinceras. Ela amava tanto a filha que deixara a sobrinha de lado. Fora doloroso pensar no passado e constatar como todos, principalmente Diana, haviam usado Anahí sem se importar com seus desejos ou sonhos. Ela havia sido vergonhosamente negligenciada. Eles não se preocuparam sequer com sua saúde.
— Não sabíamos que ela sofria do coração — murmurou Elsa. — Nem nos preocupamos em submetê-la a um exame de saúde antes de entrar para a faculdade.
— Nunca nos preocupamos com ela — Frederico concluiu, o rosto envergonhado. — Ela me deu uma carteira de pele de enguia de aniversário. Deve ter lhe custado uma semana de salário e debochei do presente. — Ele colocou a cabeça entre as mãos. — Estou enojado. Sabe, ela nos acusou de tê-la convidado para nos visitar para acabar com as fofocas dos amigos. É assim que ela se sente. — Ele ergueu o rosto. — Queremos visitá-la. Você pode nos ajudar? Converse com ela, explique nossa situação. Pelo menos podemos ajudá-la financeiramente, se precisar.
Alfonso os fitou.
— Deixe-me pensar — disse solene. — Vou encontrar um jeito de nos redimirmos.
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A paciente (Adaptada) aya
RomanceAlfonso é o último homem de quem Anahí aceitaria ajuda, mas ela estava doente. Como médico, era dever de Alfonso buscar a cura de seus pacientes. Como homem, ele tinha de encontrar um meio de cuidar do coração da mulher que assombrava seus sonhos. S...