CAPITULO 04: O CAUSADOR DE PROBLEMAS PT. 03

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Assim que voltou do almoço e se sentou em sua carteira, Akk percebeu um movimento anormal em sua sala. Antes, apenas alguns alunos de outras salas passavam por ali para cumprimentar seus colegas, mas agora parecia que todas as turmas estavam à espreita, esperando para ver a face do garoto novo.

Aquilo estava perturbando a paz da maioria dos alunos. Mesmo que o último sinal ainda não tivesse batido, havia alguns estudantes que voltavam mais cedo para revisar a matéria ou cochilar em suas carteiras até que o professor entrasse. Mas a multidão era tão grande, que se tornou impossível ouvir sequer os próprios pensamentos. Alguém deveria dispersar aquela algazarra.

Akk pensou em chamar Khanlong e Wat para fazer alguma coisa, mas os dois jamais aceitariam suas ordens, porque eram os líderes do motim. Pareciam vendedores de rua chamando clientes para uma loja e não era preciso pensar demais para saber que Ayan era a mercadoria a ser barganhada. Eles gritavam o máximo que suas gargantas aguentavam enquanto contavam o acontecido daquela manhã para os alunos das outras salas, que pareciam acreditar em todo o teatro que os dois faziam. Akk estava lá quando tudo aconteceu, então poderia dizer com certeza que nem um terço do que os amigos diziam era realmente verdade.

Ele olhou pelo ambiente a procura de Thua, o representante de turma, para verificar se ele tomaria providências e chamaria algum monitor para acabar com aquela bagunça, mas ele não estava ali. A cada minuto que passava as vozes dos alunos ficava cada vez mais alta e os poucos que tinham coragem suficiente iam adentrando a sala e se aglomerando próximo a carteira de Akk, ansiosos para o momento em que Ayan retornaria. Esse contingente exagerado de pessoas em uma sala sem ventilação estava sufocando Akk, o suor já escorria sob sua testa e a camisa branca do uniforme já tinha grudado em sua pele antes mesmo de sentar na cadeira. Ele sabia que algo iria acontecer e mesmo que Ayan fosse o foco principal, era inevitável pensar que, por sentar-se ao lado do novato, ele também seria o alvo de qualquer tipo de brincadeira.

Akk se sentia dentro daqueles ditados antigos proferidos por sua mãe sempre que não gostava de algum de seus amigos da escola, "Me diga com quem tu andas que direi quem tu és!", "uma laranja podre na fruteira estraga as outras", "não importa a quem o bandido mira o tiro, se você estiver no caminho, vai sair ferido!" , todos os comentários sempre foram ignorados por Akk, mas agora ele entendia o que ela queria dizer. Com a presença de Ayan na escola, tudo o que ele havia construído, todo o silêncio, toda a imagem de bom aluno, toda a sua postura estava ameaçada. Assim como ele temia não levar muito tempo para que Ayan explodisse com a atenção exagerada que estava recebendo, também havia receio de sua vida ser explanada caso os alunos se entendessem com Ayan e passassem a direcionar o foco para si. Além do mais, o quanto sua vida seria arruinada se Ayan decidisse, subitamente, abrir a boca e contar o que viu na mochila de Akk?! Muitas perguntas seriam feitas, as quais ele não queria e nem podia fornecer respostas.

Akk sentiu uma dor de cabeça atingir suas têmporas, foi como se um objeto pontudo tivesse sido jogado próximo aos seus olhos sem qualquer aviso prévio. Ele levou as mãos à área dolorida e sentiu a visão escurecendo pouco a pouco, primeiro teve uma hiper sensibilidade à luz e depois uma tontura forte e nauseante o tomou por completo. Os alunos aglomerados na sala estavam tão animados pela entrada de Ayan que sequer o ouviram gritar de dor, mas todos pararam o que estavam fazendo quando o viram caído no chão ao lado de sua carteira e com a mochila jogada ao lado do corpo.

Akk acordou com uma sensação de tontura e demorou alguns segundos para recuperar os movimentos do corpo e reconhecer onde estava. As paredes bege da enfermaria eram nauseantes e manter os olhos abertos por muito tempo intensificava ainda mais os sintomas, mas ele precisava saber o que tinha acontecido consigo. A única coisa de que lembrava era ter voltado para sala, sentado em sua carteira e desmaiado, o intervalo de tempo entre esses dois acontecimentos era desconhecido para Akk.

- Finalmente você acordou! - Akk levou alguns segundos para reconhecer a voz de Thua, tentou abrir os olhos para encará-lo, mas a iluminação natural que entrava pelas janelas era forte demais. - Você desmaiou do nada. A enfermeira disse que provavelmente você teve uma queda de pressão, isso é normal nos dias de verão - Thua percebeu o desconforto e caminhou até as cortinas para fechá-las. - Como eu sou o representante de turma, tive que acompanhá-lo. Você melhorou, quer que eu chame a enfermeira?

- Não, só deixe as cortinas fechadas por enquanto! - O garoto se aproximou uma última vez e colocou a mão em sua testa para checar sua temperatura, Akk sentiu um desconforto imediato ao toque, queria pedir para que ele se afastasse e nunca mais fizesse aquilo, mas assim que abriu a boca para se pronunciar uma nova pontada de dor atingiu sua tempora.

- Eu preciso resolver um problema agora, mas vou pedir para que alguém da sala venha monitorá-lo de tempos em tempos. Se precisar de alguma coisa quando estiver sozinho, aperte o botão de emergência e a enfermeira virá o mais rápido possível.

Se Akk tivesse forças para processar o que Thua havia dito, questionaria as razões pelas quais precisava ficar ao cuidado de um colega de turma e não da enfermeira, mas assim que o garoto cruzou a sala e fechou a porta, Akk caiu no sono novamente.

(Dois anos atrás)

1° ano do ensino médio

"O prédio que havia sido indicado na mensagem ficava no final daquela rua, de longe era possível ver a numeração cravada em uma placa de madeira gasta. Aquela já era a terceira volta que Akk dava pelo quarteirão, tentando tomar coragem para finalmente parar e entrar no estabelecimento.

Haviam tantas perguntas que careciam de resposta e ir àquela reunião lhe trazia a oportunidade de saná-las, mas e se houvesse algo subentendido naquele convite? Ele ainda usava o uniforme de Suppalo e poderiam enumerar todas as punições que receberia caso fosse pego por algum colega andando com aqueles garotos. Akk jamais seria aceito novamente na escola se fosse percebida qualquer ligação com aqueles arruaceiros. Poderia dar adeus a toda a sua projeção de futuro, porque as portas que lutou com unha e dentes para abrir, seriam brutalmente fechadas.

Mas se todos os membros do grupo nunca foram percebidos, porque ele seria o primeiro? Obviamente havia algum tipo de estratégia para que passassem despercebidos pelos mais velhos, afinal, Suppalo era uma das escolas mais regradas do país e mesmo assim os arruaceiros conseguiam manter sua identidade por debaixo dos panos.

Ele parou a bicicleta em uma distância de aproximadamente seis metros de uma loja de conveniência que ficava no início da rua. Akk não era foi burro, aprendeu a se virar sozinho muito novo, então para si era quase senso comum a necessidade de um halibe para uma situação como aquela. Antes de qualquer coisa, precisava sentir- se seguro.

Ele entrou na loja e pegou o primeiro pote de sorvete que encontrou pela frente, caminhou despreocupado até o caixa e fez questão de sorrir amigavelmente para a atendente. Ele precisava assegurar que a mulher lembraria seu rosto caso fosse necessário responder perguntas.

- O dia está muito quente... - iniciou, olhando para fora e voltando a encarar a mulher. - Estava indo para casa e tive que parar para comprar um sorvete!

- Pois você é um garoto de muita sorte, esse sorvete é o melhor que vendemos! - Akk sorriu amigável e entregou o dinheiro para ela. Pensou ser uma pena saber desse detalhe naquelas circunstâncias, porque não tinha nenhuma intenção de comer aquele sorvete.

- Fico muito feliz em saber, vai me refrescar bastante! - A senhora trocou mais uma ou duas frases sobre o tempo, alertando Akk que a semana seguiria tão quente quanto aquele dia e fez questão de colocar uma colher de plástico e algumas toalhas de papel na sacola para que o garoto não se sujasse enquanto comia.

Akk agradeceu e saiu da loja rumo ao prédio indicado no bilhete e assim que entrou pela porta lateral da construção, jogou o sorvete no lixo."

O Novato | AkkayanOnde histórias criam vida. Descubra agora