A situação que se colocava na frente de Ayan era um tanto quanto cômica. Eles haviam voltado da escola e o clima era hostil e rodeado por um silêncio ensurdecedor, ele até havia tentado iniciar uma ou duas conversas com Akk, mas ele parecia estar empenhado em ficar quieto.
Por sorte o dormitório de Akk não era tão longe da escola, então aquela situação não durou mais do que vinte minutos, embora para Ayan parecesse uma eternidade.
Veja bem, ele não queria causar intrigas e nem ser odiado por todos em Suppalo, mas as coisas simplesmente aconteceram e ele se tornou a pessoa que todos falam mal, mesmo que ninguém o conheça de verdade.
Naquele momento, estavam os dois sentados na mesa de centro de Akk, localizada no meio do pequeno dormitório em que ele morava. Havia um prato de macarrão com almôndegas em cada lado da mesa, mas apenas o de Akk estava diminuindo à medida em que ele comia.
Ayan continuava com os olhos vidrados em Akk e uma expressão indescritível estava em seu rosto, era como se ele tivesse admirando um quadro famoso e não pudesse perder nenhuma característica.
– Então, você não vai comer? – Akk limpou a boca com um guardanapo e bebeu quase metade do seu copo de suco em um único gole.
– Eu…
– Se você não quiser, eu como! – Akk estendeu a mão sob a mesa para puxar o prato de Ayan, mas ele foi rápido ao impedir que ele tomasse sua comida. Sua palma encostou sobre o peito da mão de Akk e imediatamente um alerta surgiu em sua cabeça, mas nenhum dos dois cessou o contato.
Diferente do que Ayan imaginava, Akk não gritou consigo, apenas ficou em silêncio e manteve os olhos grudados aos seus. Aquela reação não era esperada, Ayan havia colocado uma nota mental em sua mente para não se aproximar de Akk propositalmente, já havia percebido que ele não era adepto a toques corporais.
– Porque você me odeia? – Ayan sentiu a pele debaixo da sua estremecer, então afastou sua mão e a pousou no colo. – Eu te magoei de alguma forma, Akk?
Akk permaneceu em silêncio, sua mão ainda estava estendida na mesa, ele parecia imerso em pensamentos demais para tirá-la.
– Você não vai me responder, não é? – Ayan suspirou pesado, sentindo sua esperança se esvaindo – Bom, sendo assim, eu vou embora.
Ele olhou uma última vez para Akk, percebendo que sua expressão continuava nebulosa, como se houvesse uma tempestade de pensamentos em sua mente.
– Muito obrigado por me receber na sua casa e me preparar essa comida, mas sinto que não posso pedir para que você seja meu tutor quando sequer consegue conversar comigo normalmente.
Ayan ergueu o corpo da mesa e pegou sua mochila. Antes de abrir a porta do dormitório, olhou para trás, para ver se Akk iria esboçar alguma reação, qualquer que fosse. Mas não havia nada, ele mantinha o rosto virado para a mesa, sequer se levantou para acompanhá-lo até a porta.
– Te vejo amanhã na escola, Grandão! – e foi embora.
(...)
Não haviam muitas coisas na vida de Ayan que lhe causavam alegria. Os vizinhos costumavam olhá-lo na rua e pensar que ele era um garoto muito esforçado e gentil, porque ele realmente era. Mas a gentileza não é sinônimo de alegria e sim de bom senso. Ayan não gostava de tratar as pessoas com desprezo, mas havia momentos em que ele precisava agir para que não fosse pisoteado.
Quando era criança, frequentemente chegava em casa e se agarrava na bainha do avental de sua mãe para chorar até pegar no sono. Naquela época, os valentões da escola eram um problema recorrente para o garoto, que não sabia como agir em meio a tanta violência e desrespeito. Foi o seu irmão mais velho, Pete, que naquela época o ajudou a superar essas adversidades. Mas ele não ensinou Ayan a lutar ou bateu nos valentões por ele, apenas o guiou pelo caminho certo, pelo caminho da verdade. Ayan aprendeu que sempre que algo de ruim acontece na escola, ele deveria recorrer aos professores e caso eles não resolvessem, a diretoria era obrigada a fazer alguma coisa. Em casos que eles não podiam ajudar, bastava pedir para os pais dele ligarem na Secretária de Educação, porque eles eram os chefes dos funcionários da escola, segundo as palavras de seu irmão. Pete era um herói para Ayan, um verdadeiro guardião da verdade.
Por isso, quando chegou em casa naquela noite de quarta-feira, andou por entre os cômodos escuros da casa e parou na porta do quarto do irmão, o único cômodo da casa que estava com as luzes acesas. Em outros tempos, ele entraria ali sem sequer bater na porta, sabendo que Pete iria recebe-lo de braços abertos. Mas, agora, ele preferia avisá-lo previamente que estava entrando.
– Pete, sou eu, o Ayan!
Ele abriu lentamente a porta e encontrou o irmão sentado na ponta de sua cama, olhando para a enorme janela que tinha vista para a rua. Nos últimos tempos, Pete gostava muito de olhar naquela direção, mas Ayan não entendia o motivo. Não havia nada de interessante ali, além de árvores e um prédio velho.
Ao perceber sua presença, Pete virou lentamente a cabeça em sua direção, mas seus olhos não encararam Ayan, ao invés disso, olharam para a cômoda branca que ficava ao lado da porta de entrada e ficaram fixados ali por alguns segundos, depois voltaram a encarar a rua.
– Eu fui na casa de um colega da escola hoje e… – Ayan caminhou até o irmão e se sentou ao seu lado na cama, olhando para o mesmo local que ele. – Bom, tecnicamente era para eu estar lá até agora, mas digamos que não nos entendemos muito bem.
Ayan sentiu a mão de seu irmão tocando sua perna, em um ato de carinho e compreensão, então pousou a sua sobre a dele também.
Aquela sensação acolhedora estava fazendo com que suas emoções explodissem. Sentimentos que antes ele estava guardando, resolveram eclodir em lágrimas que caiam sem parar de seus olhos.
– Ninguém gosta de mim em Suppalo, eu me pergunto se mudar de escola foi realmente uma boa escolha – sua voz saía entrecortada à medida que chorava, mas não havia o que fazer, Ayan precisava conversar com alguém sobre como se sentia. – É tudo tão difícil. Eu só queria fazer amigos como na minha antiga escola, Pete!
Então ele deixou as lágrimas o tomarem por completo, sentindo seu peito subir e descer em um ritmo descontrolado e alguns gritos suaves deixarem sua garganta. Ayan detestava o rumo que as coisas estavam seguindo, queria poder reiniciar sua vida para fazer tudo diferente. Haviam tantas coisas que ele teria mudado caso tivesse a oportunidade de tentar de novo.
Levaram algumas horas para que ele conseguisse se recompor, mas Pete esteve firme com ele durante todo o processo. Mantendo o corpo imóvel para que Akk se apoiasse nele como uma rocha.
Foi só quando o sino de uma igreja que havia próximo de sua casa bateu a meia noite, que Ayan percebeu que já era tarde. Ele se desvencilhou do abraço de Pete com calma, para que o irmão não acordasse de seu sono e foi até o seu quarto. Assim que deitou-se sentiu a barriga roncar de fome, fazia horas que não comia, mas quando pensou em levantar-se novamente para preparar algo para comer, sentiu as lágrimas chegando novamente e se aninhou as cobertas.
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O Novato | Akkayan
FanfictionTudo seguia conforme os planos de Akk em Suppalo; suas notas, suas amizades e suas mentiras, todos em uma harmonia milimetricamente forjada para o seu bem-estar. Mas a chegada repentina de Ayan pode ameaça revelar tudo o que Akk levou dois longos an...