'Agora voltamos para Valancourt, que, como se pode lembrar, permaneceu em Toulouse por algum tempo após a partida de Emily, inquieto e miserável. Ele desejava que cada manhã que se aproximava o levasse embora de lá; porém o amanhã e outros dias vieram, e ainda o viam se demorando no cenário de sua felicidade antiga. Ele não conseguiu se afastar imediatamente do lugar onde tinha se acostumado a conversar com Emily, ou dos objetos que eles viram juntos, que para ele pareciam memoriais da afeição dela, como um tipo de segurança devido à sua lealdade; e, próxima à dor de dizer adeus a ela estava aquela de deixar as cenas que recriavam a imagem dela tão fortemente. Ele subornou um criado algumas vezes, o qual havia sido deixado encarregado de cuidar do castelo de Madame Montoni, para permiti-lo visitar os jardins, e lá ele caminhava por horas, de uma vez, envolto em uma melancolia que não era desagradável. O terraço e o final do pavilhão, onde ele havia se despedido de Emily, na véspera de sua partida de Toulouse, eram os seus locais preferidos. Lá, enquanto caminhava ou se apoiava na janela do edifício, ele se esforçava para se lembrar de tudo que ela havia dito naquela noite; ouvir os tons da sua voz, conforme eles vibravam em sua memória, e se lembrar da expressão exata na face dela, que, às vezes, vinha à imaginação dele de repente como uma visão; aquele rosto lindo que despertava, como se fosse mágica, toda a ternura em seu coração e parecia dizê-lo com uma eloquência irresistível – que ele a havia perdido para sempre! Nesses momentos os seus passos apressados teriam exposto, para um espectador, o desespero em seu coração. O caráter de Montoni, tal como ele havia descoberto através de pistas, e tal como os seus medos o representavam, veio à sua visão juntamente com todos os perigos com os quais ele parecia ameaçar Emily e o seu amor. Ele se culpava por não tê-la mostrado isso mais insistentemente, enquanto ainda estava em seu poder detê-la, e por ter deixado uma delicadeza absurda e criminosa, como ele a chamava, vencer os argumentos razoáveis que se opunham a essa viagem tão rápido. Qualquer mal que pudesse acompanhar o seu casamento parecia inferior a esses que agora ameaçavam o amor deles, ou inferior até mesmo aos sofrimentos que a ausência causava, e ele pensou em como pôde ter parado de insistir em sua proposta até convencê-la de como seria correto; e ele certamente teria a seguido até a Itália, se pudesse ser liberado do seu regimento para uma jornada tão longa. De fato, o seu regimento logo o lembrou de que ele tinha outros deveres a cumprir além daqueles do amor.
Pouco tempo depois de sua chegada à casa do irmão, ele foi chamado para se juntar aos seus irmãos oficiais e acompanhou um batalhão até Paris; onde um cenário de novidade e alegria se abriu para ele, tal que, até então, ele só tinha uma vaga ideia. Mas a alegria enojava e a companhia exauria a sua mente doente; tornou-se um motivo de zombações constantes de seus companheiros, dos quais ele escapava para pensar em Emily sempre que conseguia uma oportunidade. Contudo, as cenas ao seu redor e a companhia, com a qual ele foi obrigado a se misturar, chamaram a sua atenção, embora falhassem em entreter a sua mente, e assim ele gradualmente enfraqueceu o hábito de ceder à lamentação, até que fazê-lo parecia menos como um dever ao seu amor. Dentre os seus irmãos oficiais havia muitos que acrescentavam ao caráter comum da alegria de um soldado francês algumas daquelas qualidades fascinantes, que muito frequentemente colocavam um véu sobre a insensatez, às vezes suavizavam até mesmo as feições do vício para que parecessem sorrisos. Para estes homens o comportamento reservado e pensativo de Valancourt era um tipo de censura implícita para os seus próprios, por isso eles lhe zombavam, quando ele estava presente e planejavam contra ele quando estava ausente; eles viam glória em reduzi-lo ao seu próprio nível e, considerando que isso fosse um gracejo espirituoso, determinaram-se a conseguirem.
Valancourt era um estranho para o progresso gradual dos esquemas e da intriga, contra os quais ele não podia estar preparado. Ele não fora acostumado a receber a zombaria e não conseguia aguentar bem a sua "picada", ressentia-se, e isso só atraía para risadas mais altas. Para escapar de tais cenas fugia para a solidão, e lá a imagem de Emily o encontrava e revivia as dores do amor e do desespero. Ele, então, tentava renovar aqueles estudos de bom gosto, que haviam sido o deleite de seus anos mais jovens; mas sua mente havia perdido a tranquilidade que é necessária para aproveitá-los. Para se esquecer de si mesmo, da tristeza e da ansiedade, os quais o pensamento nela causava, saía de sua solidão e se misturava com o grupo novamente – feliz por ter um alívio temporário e se alegrando ao conseguir um pouco de entretenimento, momentaneamente.
Assim, passou-se semana após semana, o tempo gradualmente aliviava a sua dor e o hábito reforçava o seu desejo de entretenimento, até que as cenas ao redor dele pareciam ter acordado com um novo caráter, e Valancourt parecia ter caído das nuvens em meio a elas.
Sua figura e seu comportamento o tornaram um visitante bem-vindo aonde quer que ele fosse apresentado, e logo estava frequentando os círculos mais animados e elegantes de Paris. Dentre esses estava o grupo da Condessa Lacleur, uma mulher de beleza eminente e modos cativantes. Ela já passava da flor da idade, mas sua inteligência prolongava o triunfo de seu reinado e eles assitiam mutualmente a fama um do outro; pois aqueles que eram enfeitiçados pela sua amabilidade falavam com entusiasmo de seus talentos; e outros, que admiravam sua imaginação brincalhona, declaravam que as suas graças pessoais eram incomparáveis. Mas a imaginação dela era meramente brincalhona, e sua inteligência, se podia ser chamada assim, era brilhante ao invés de justa; ela deslumbrava, e a sua falácia escapava de detecção por enquanto; pois os tons nos quais ela a pronunciava e o sorriso que a acompanhava eram um feitiço lançado sobre o julgamento dos espectadores. Seus jantares informais eram os de melhor gosto em toda a Paris, e eram frequentados por muitos da segunda classe de literatos. Era apaixonada por música, ela mesma era uma música proficiente e dava concertos em sua casa frequentemente. Valancourt, que amava apaixonadamente a música, e, às vezes, assistia esses concertos, admirava a execução dela, mas se lembrava, com um suspiro de simplicidade eloquente, das canções de Emily e da expressão natural do jeito dela, os quais não esperavam pela aprovação do julgamento, mas encontravam o caminho até o coração de uma vez.
Madame Comtesse muitas vezes dava jogos de azar em sua casa, o que ela fingia restringir, mas encorajava secretamente; e, entre seus amigos, sabia-se que o esplendor do estabelecimento provinha da maior parte dos lucros de suas mesas. Mas, seus jantares informais eram os mais charmosos imagináveis! Ali estavam todas as delicadezas dos quatro cantos do mundo e toda a perspicácia e os esforços leves do gênio, todas as graças da conversa – os sorrisos da beleza e o charme da música; e Valancourt passou seus momentos mais agradáveis, assim como os mais perigosos, nessas festas.
Seu irmão, que havia permanecido com sua família na Gasconha, havia se satisfeito lhe dando cartas de introdução para seus conhecidos, que residiam em Paris, os quais o último ainda não conhecia. Todas essas pessoas eram de alguma distinção; e, como nem a pessoa, nem a mente, nem o comportamento do Valancourt mais novo ameaçava desgraçar a sua aliança, eles o receberam com tanta bondade quanto sua natureza, endurecida pela prosperidade ininterrupta, admitiria; mas, suas atenções não se extendiam a atos de amizade real; pois, eles estavam ocupados demais com os seus próprios objetivos para sentir qualquer interesse pelos dele; e assim ele foi colocado no meio de Paris, no orgulho da juventude, com um temperamento franco e sem malícia, e com afeições ardentes, sem um amigo sequer para alertá-lo quanto aos perigos aos quais ele estava exposto. Emily, que, se estivesse presente, teria o salvo desses males ao despertar o coração dele e o colocar em atividades nobres, apenas aumentava esse perigo agora; era para diminuir a tristeza, que a memória dela causava, que ele procurou entretenimento em primeiro lugar; e, por isso, continuou assim, até que o hábito o tornou o foco de um interesse abstrato.
Também havia uma Marchesa Champfort, jovem viúva, em cujas reuniões ele passava grande parte de seu tempo. Ela era bonita e ainda mais ardilosa, animada e apaixonada por intriga. A sociedade que ela reunia em volta de si era menos elegante e menos perversa do que aquela da Condessa Lacleur, mas, como ela tinha deferências suficientes para colocar um véu, ainda que fino, sobre a pior parte de seu caráter, ela ainda era visitada por muitas pessoas com aquilo que se chama distinção. Valancourt foi apresentado às suas festas por oficiais de seu irmão, cujas provocações recentes ele havia perdoado até então, tal que às vezes ele conseguia se juntar à risada que uma menção do seu comportamento antigo renovava.
A alegria da corte mais esplêndida da Europa, a magnificência dos palácios, entretenimentos e equipamentos que o rodeavam – tudo conspirava para deslumbrar sua imaginação e reanimar seu espírito, e o exemplo e as máximas de seus associados militares conspiravam para iludir sua mente. A imagem de Emily, de fato, ainda vivia ali; mas ela não era mais a amiga, a monitora que o salvava de si próprio, e para quem ele ia para chorar as doces, porém melancólicas, lágrimas da ternura. Quando ele recorria a isso, ela assumia uma imagem de reprovação moderada que comprimia a alma dele e causava lágrimas de pura tristeza; a sua única escapatória era esquecer o motivo por trás dessas e, portanto, ele se esforçava para pensar em Emily tão pouco quanto podia.
Nessas circunstâncias perigosas estava Valancourt, na época em que Emily estava sofrendo em Veneza com as atenções perseguidoras do Conde Morano e a autoridade injusta de Montoni; em qual período nós a deixamos.