Capítulo 6

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A luz do dia afastou da mente de Emily as sombras da superstição, mas não aquelas da apreensão. O Conde Morano foi a primeira imagem que apareceu em seus pensamentos acordados e, com ela, veio uma sequência de males antecipados, os quais ela não conseguia nem vencer, nem evitar. Ela se levantou e, para aliviar sua mente das ideias ativas que a atormentavam, forçou-se a prestar atenção em objetos externos. De sua janela ela olhou para a grandiosidade selvagem da cena, contornada de quase todos os lados por despenhadeiros alpinos, cujos picos, que se espreitavam uns sobre os outros, desapareciam do olhar em tons enevoados, enquanto os mirantes abaixo apareciam escuros com florestas que varriam até as suas bases e se estendiam ao longo dos vales estreitos. A pompa e a riqueza dessa floresta eram particularmente encantadoras para Emily; e ela estava impressionada vendo as fortificações do castelo se espalhando ao longo de uma vasta extensão de rocha e a grandiosidade dos parapeitos abaixo, agora parcialmente em ruínas, e as torres e ameias e aspectos variados da construção acima. Desses a sua visão passeou sobre as colinas e bosques em direção ao vale, ao longo dos quais um largo e rápido riacho espumava, e era visto caindo em meio às rachaduras de uma montanha do lado oposto, brilhando com os raios de sol num momento, e escurecido pelos pinheiros se curvando acima no próximo, até que ele ficou completamente escondido por sua folhagem espessa. Novamente, surgiu sob a escuridão em uma larga folha de espuma e caiu no vale com um estrondo. Mais perto, em direção ao oeste, abria-se a visão das montanhas, a qual Emily havia visto com tamanha emoção sublime, ao se aproximar do castelo: uma fumaça fina e escura que subia do vale se estendia sobre os seus traços com uma doce escuridão. Quando esta subiu e se misturou aos raios solares, incendiou-se em um tom avermelhado, tocou a floresta e as colinas com uma beleza extraordinária, sobre as quais ela passava em direção ao pico das montanhas; então, conforme o véu foi retirado, foi maravilhoso assistir os objetos brilhando, os quais eram progressivamente revelados no vale: a relva verde, a floresta escura, pequenos recuos com rochedos, algumas cabanas de camponeses, o riacho espumante, um rebanho de gado e várias imagens da beleza pastoril. Então, as florestas de pinheiros e o seio largo das montanhas se iluminaram até que, enfim, a névoa assentou ao redor de seu pico, tocando-o com um brilho rosado. Os aspectos da vista apareciam distintamente agora e as sombras profundas e extensas, que caíam sobre as colinas mais baixas, davam um efeito mais forte ao esplendor acima; enquanto as montanhas, afundando gradualmente na perspectiva, pareciam mergulhar no mar Adriático, pois tal era o que Emily imaginava ser o brilho azulado reluzente que terminava a vista.

Assim, ela se esforçou para entreter a sua imaginação sem falhar. O frescor da brisa da manhã também a reviveu. Elevou os seus pensamentos em oração, o que sempre se sentia muito disposta a fazer ao ver a sublimidade da natureza, e sua mente recuperou as suas forças.

Quando ela se virou da janela, seus olhos passaram pela porta que tinha fechado, tão cuidadosamente, na noite anterior, e agora ela se decidiu a examinar para onde ela levava; mas, ao se aproximar para remover as cadeiras, percebeu que elas já haviam sido um pouco mexidas. A sua surpresa não pode ser facilmente imaginada quando, no instante seguinte, ela viu que a porta estava trancada. Sentiu como se tivesse visto uma aparição. A porta do corredor estava trancada quando ela a deixou, mas essa porta, que só podia ser trancada pelo lado de fora, deve ter sido trancada durante a noite. Ela ficou seriamente agitada com a ideia de dormir em um quarto tão sujeito a intrusões assim, e, também, tão afastado da família, decidiu, então, contar a circunstância para Madame Montoni e pedir uma mudança.

Após um pouco de perplexidade ela conseguiu chegar ao salão principal, o cômodo que havia deixado na noite anterior, onde o café da manhã estava posto e sua tia estava sozinha, pois Montoni estava caminhando pelos arredores do castelo, examinando as condições das fortificações e conversando com Carlo. Emily percebeu que sua tia havia chorado, e seu coração se compadeceu dela com uma afeição que se mostrou em seu comportamento, ao invés de em palavras, enquanto ela, cuidadosamente, evitou parecer ter notado que ela estava infeliz. Emily usou a oportunidade da ausência de Montoni para mencionar a circunstância da porta, para pedir outro quarto e perguntar, novamente, sobre a razão da viagem repentina deles. Quanto ao primeiro assunto sua tia a encaminhou para Montoni, decididamente se recusando a interferir na questão; quanto à última ela jurou estar completamente ignorante.

Os Mistérios de Udolfo (1794)Onde histórias criam vida. Descubra agora