Acordo ao som do alarme irritante do meu celular, aspirando o odor de plástico do tatame, passo a mão no pescoço e sinto a pele molhada de suor. Desgrudo o rosto do tecido e contemplo uma mancha úmida no formato distorcido do meu perfil. Queria poder tomar um banho e refrescar o corpo antes de me trancar, mas tenho medo de não ter tempo o suficiente, então prefiro voltar para a minha toca.
Olho em volta do ginásio e me pergunto como em um ponto tão alto do morro faz tanto calor, principalmente pela escola ser rodeada pelo verde das dunas. Eu sei que Belo Rio é uma cidade pra lá de quente, mas aqui deveria ser ameno, já que Tia Ondina fica na parte litorânea da cidade, por trás do metro quadrado mais caro do município, onde tem a orla de Grão Marfim.
O vento nessa região da cidade é abundante e, apesar de ter a nossa frente um paredão com vários condomínios de luxo em uma avenida beira-mar, ainda estamos na parte mais elevada, em cima de dunas. O melhor disso é a vista privilegiada do oceano Atlântico, sem contar no lindo farol que é cartão postal da cidade.
Coloco uma salsicha no pão e como em algumas mordidas. Vou até o bebedouro e abasteço a minha garrafinha com água para passar mais um dia. Antes de me enclausurar definitivamente na cabine, bebo um pouco tentando amenizar o calor ao me hidratar.
Sinto falta de ir para a aula, eu gosto de estudar. No geral, meus professores são gentis e me acham acima da média. Ao contrário deles, minha mãe sempre me chama de burra e pergunta para quê eu ainda estudo quando faço algo errado em casa. Sei que deveria confiar mais na opinião de alguém diplomado, é que na verdade, me dói ela não enxergar nada de bom em mim, nem mesmo os meus méritos.
Caminhando pelo ginásio, noto que um mal estar percorre os meus ossos, mas imagino que tenha sido o desconforto de ter dormido no tatame. Antes de começar o movimento de alunos e funcionários, vou para a cabine sanitária. Fico trancada durante o dia inteiro dividindo os meus pensamentos com as conversas do banheiro.
Acompanho as mesmas pessoas irem até lá para fazerem as mesmas coisas. Inclusive, o trio de garotas do dia anterior, repete a dose e fazem sexo na cabine ao lado, parecendo estarem com mais fogo no rabo do que no dia anterior. Conforme as horas passam, o mal-estar aumenta, assim como o calor que sinto.
Quando o turno escolar está prestes a terminar, ouço passos de alguém entrando no vestiário, o barulho de livros sendo soltos em cima do banco de madeira e uma garota chorando. A torneira de uma das cubas é ligada, o fluxo da água é interrompido algumas vezes, até que por fim, ela assoa o nariz, fungando devido o seu choro.
— Cheguei! — Uma segunda garota se anuncia com a voz arfante, como se tivesse vindo correndo. A chegada dela intensifica o choro da primeira. — Calma, vamos conversar. Já viu se tem alguém nas cabines?
— Não — responde a garota chorosa.
— Eu confiro — diz a segunda.
As portas das outras cabines rangem uma a uma ao serem abertas. Ergo minhas pernas sobre o sanitário e me encolho. Meu coração fica palpitante, o medo de ser descoberta toma conta de mim. Eu me sinto em um daqueles filmes de terror, onde o assassino está procurando a vítima no banheiro.
Ao chegar na cabine em que estou, a garota empurra a porta algumas vezes, fazendo o trinco sacolejar na pequena tranca de metal. A aluna se abaixa para olhar por baixo. Tensa, mordo o meu punho para controlar meu desespero, mas ela se dá por satisfeita ao não encontrar pés no seu campo de visão.
— Tudo limpo, pode falar.
— Eu nem sei por onde começar. — A garota funga, ainda chorosa e a outra solta o longo suspiro.
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A VIDA NO MORRO COMEÇA CEDO
RomancePrêmio: 🥈Concurso Cerejeiras em Flor Traumas podem virar sonhos? Dalena e Dominic se conhecem na adolescência, depois que ela foge de casa para dar um fim aos abusos crescentes do seu padrasto, enquanto ele já trabalha para o tráfico. No entanto, a...