▓ CAPÍTULO DOZE ▓

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Os dias se arrastavam enquanto Otávio não voltava da fazenda e eu me encontrava cada vez mais imersa em uma rotina vazia de energia. Eu me alimento sem prazer, durmo sem descanso, assisto séries sem atenção e a única emoção que me resta é uma aflição sem fim quando olho para a aliança de noivado em meu dedo. Decido então largar a joia no fundo da gaveta da mesinha de cabeceira como um sinal de que preciso respirar.

Durante os últimos dias, ninguém, além do senador, procurou por mim. Não recebi ligações ou mensagens de colegas de trabalho ou faculdade, e sinto a solidão me envolver. Até que, de repente, a campainha toca. Eu ainda não fiz amizades no prédio, o que me causa estranheza. Embora seja comum interfonar antes de aparecer para uma visita surpresa, acabo imaginando que pode ser alguém da administração do condomínio.

Ao levantar da cama, me assusto com a minha imagem refletida no vidro da janela do quarto. Olheiras fundas, cabelo oleoso e um pijama pavoroso de algodão são refletidos em primeiro plano, mas por trás do meu reflexo assombrado, vejo que lá fora tem mais um dia se despedindo. A luz do sol está desaparecendo no horizonte e dando lugar às sombras da noite.

Grito para quem espera na porta que já vou, enquanto caminho até o closet para me trocar. Rapidamente, escolho um básico vestido longo, de um azul suave, que envolve meu corpo como um abraço macio. Prendo meus cabelos num coque no alto da cabeça e jogo água no rosto, tentando amenizar o semblante abatido.

Já na sala, ao olhar pelo olho mágico, me deparo com a imagem distorcida de Dom do outro lado da porta. Instantaneamente, meu corpo retesa e sinto um misto de emoções confusas com a sua presença, além da tensão com o provável motivo que o trouxe até aqui. É como se o melhor do meu passado tocasse a campainha, trazendo à tona lembranças que eu não sei lidar.

Posso estar errada, mas não tenho dúvidas de que Dom veio por causa da construção do centro. Na nossa última conversa, ele foi enfático sobre não querer o projeto no seu território. Com seus contatos na prefeitura, deve saber que as coisas estão avançando rapidamente agora. Confesso que estou tão distante das minhas responsabilidades que esqueci completamente essa questão.

Giro a chave, seguro o longo puxador dourado e trago a porta de madeira nobre em minha direção. Ela se abre com leveza, revelando a presença de Dom parado no hall de entrada do meu andar. Seus olhos azuis se fixam nos meus com uma expressão indecifrável, enquanto seu cheiro selvagem, com um aroma potente de couro e madeira, invade minhas narinas, me abraçando por dentro. O perfume que usa agora é bem diferente do refrescante que ele usava na adolescência; é mais profundo.

— Oi... — cumprimento com a minha voz quase falhando. A visita surpresa dele me deixou completamente perdida.

— Oi — responde sem dar sinais se está aqui para me impedir de construir o centro ou me fazer uma cortesia.

Dom parece estar esperando algo de mim, mas não faço ideia do que pode ser. Viro o rosto para o lado para quebrar o contato visual, pois seu olhar enfraquece minhas pernas. Quando sinto que tenho alguma força dentro de mim, encaro-o novamente, determinada a descobrir o motivo de sua visita.

— Está passeando por aqui? — brinco tentando manter a minha voz firme, enquanto me questiono de onde veio essa merda de pergunta. Ele não responde de imediato, apenas mantém seu olhar fixo em mim, como se avaliasse cada palavra que saiu da minha boca.

— Não — responde sem elaborar melhor, quando finalmente quebra o silêncio.

— Veio parar aqui por um acaso? — Me envergonho mais ainda de fazer outra pergunta ridícula em um tom tão atrevido e meu estômago se revira em antecipação ao que ele dirá em seguida.

A VIDA NO MORRO COMEÇA CEDOOnde histórias criam vida. Descubra agora