No visor do celular, vejo a hora marcar meia noite: já é o meu aniversário. Enquanto um frenesi percorre o meu corpo, observo as sombras dos móveis se movendo lentamente nas paredes do quarto. As luzes dos faróis dos veículos que transitam pela rua lá fora, projeta essas formas em movimento ao meu redor.
O ambiente está silencioso, aconchegante e confortável. A luz baixa da luminária traz um clima intimista para o espaço, e o cheiro suave do óleo essencial de lavanda que vem do difusor de aroma ao lado da cama tenta me acalmar. Apesar dos dilemas que tenho enfrentado ultimamente com meus sentimentos confusos, estou feliz por ter em minhas mãos o melhor presente que eu ganho todos os anos.
Sei que esse momento da minha vida é um novo começo, independentemente do que decidir em relação ao senador, apesar de desconhecer o que o futuro reserva para mim. A questão é que existe um pedaço no meu passado que amo visitar, e estou prestes a fazer isso.
Por agora, quero apenas saborear esse momento e reviver o gosto que tem um sentimento realmente bom, deixando todo o resto de lado. Da minha janela, posso ver a cidade com suas luzes e os sons solitários da vida noturna. Não há pressão, apenas melancolia que a madrugada é capaz de proporcionar.
Depois de tirar Otávio dos meus pensamentos, sento sobre a cama. Confortável, eu me preparo para abrir a revista que lia na adolescência e que fiz Dom aprender a gostar. A primeira vez que vi a mensagem dele na sessão do correio do leitor foi a sensação mais feliz da minha vida. Desde então, o meu aniversário tem um significado diferente, e sempre espero ansiosamente por essa data.
No almoxarifado, eu e Dom, tínhamos o costume de ler essa sessão para rir das mensagens hilárias que os leitores mandavam sobre as matérias da revista. Era um costume dos fãs da Supercurioso zombar do que quisessem nas cartas enviadas ou e-mails. Hoje, as pessoas riem dos comentários de publicações na internet como se tivesse descoberto o Brasil, mas é só uma evolução de um comportamento que sempre acompanhou o basileiro.
Encosto a capa da revista no meu nariz, passeando a ponta pelo título que diz "Os mistérios mais intrigantes do universo: o que ainda não sabemos sobre o cosmos?". Aspiro a fragrância da folha sedosa que me leva automaticamente para as lembranças que tenho com Dom no almoxarifado, antes de tudo acabar com tanta violência.
Uma lágrima escorre pelo meu rosto. Reviver um momento tão mágico para mim, ainda me traz os traumas que carrego até hoje. Busco me concentrar apenas nas boas recordações, o que não evita os calafrios na minha espinha, além de apertos em meu peito.
Forçando a minha memória, consigo sentir o cheiro da sala fechada do almoxarifado abarrotado de armários. Lembro de quando eu abraçava Dom sempre que ele chegava para me encontrar. Na sua presença, o ar era tomado pelo frescor que tinha em sua pele, como o de quem tinha acabado de sair do banho. Em um segundo eu era envolvida por um aroma cheio de energia com notas de sálvia, me fazendo ver cores vibrantes.
Abro a edição de junho da Supercurioso e folheio as páginas até o correio do leitor, notando que novamente a mensagem de Dom é destaque. Acaricio o papel e mordo o meu sorriso ao ler o seu nome em negrito e a piada dos "quase vinte e quatro anos", amo o humor atravessado dele.
Solto o meu corpo sobre o colchão caindo sobre ele, erguendo a revista diante dos meus olhos para apreciar melhor. Depois, eu rolo para o lado, ficando apoiada sobre os cotovelos, e me preparando para ler com um sorriso bobo no rosto e os olhos úmidos.
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A VIDA NO MORRO COMEÇA CEDO
RomancePrêmio: 🥈Concurso Cerejeiras em Flor Traumas podem virar sonhos? Dalena e Dominic se conhecem na adolescência, depois que ela foge de casa para dar um fim aos abusos crescentes do seu padrasto, enquanto ele já trabalha para o tráfico. No entanto, a...