▓ CAPÍTULO TRINTA E UM ▓

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Saber que eu dormi a noite inteira foi quase tão perfeito quanto o reencontro de ontem. Obviamente, não chegou nem perto, mas eu precisava muito disso. Espreguiço o meu corpo no colchão e vejo que tem mais espaço do que deveria, forço os meus olhos abrirem e não encontro sinal de Dom no quarto. Se não fosse os ligamentos da minha perna doloridos, eu diria que foi uma alucinação.

O cheiro de ovo frito vindo da cozinha, denuncia que ele deve estar preparando algo para o café da manhã. Levanto da cama, escovo os meu dentes e desço. Encontro tudo limpo e cheirando a desinfetante. A refeição está servida em um cenário bem diferente do que deixamos na noite anterior.

— Bom dia! — digo, com a voz preguiçosa, indo ao seu encontro.

Dom se ajeita no banco, abrindo as pernas e me enfio entre elas para abraçá-lo. Trocamos alguns beijos, em seguida me afasto, sentando ao seu lado. Ele desliza o pedaço de uma folha pela bancada que está sem nenhum resquício de fluidos corporais, chantilly ou prosecco, e olho curiosa o papel.

— Alguém deixou uma mensagem para você embaixo da porta.

— Seu namorado deve ser muito gostoso, mas se controla mulher, você tem vizinhos — leio ruborizando ao trazer o recado para perto do meu rosto. — Dom! — exclamo com meu queixo caindo. — Como vou sair na rua agora?

— Como alguém que tem um namorado gostoso — brinca, e bato no seu ombro.

— É sério! Eu deveria passar despercebida.

— Ninguém que mora nessa casa passa despercebido.

— Para de ser implicante.

— Deveria ficar uns dias na chácara se quer passar despercebida.

— Não posso, tenho assuntos a resolver e estou sem carro — digo mais séria do que gostaria, enquanto Dom semicerra os olhos e fica mais sério do que deveria.

Ele dá um último gole na xícara de café e afasta ela sobre a bancada de madeira, empurrando-a em cima do pires. A atmosfera muda a nossa volta, ficando claro que estamos prestes a ter uma conversa densa. Espero que a nossa relação não desande outra vez, não sei se aguento mais um desentendimento entre nós.

— Que tal sermos honestos um com o outro? — pergunta com uma voz apaziguadora.

— Seria ótimo se você me levasse a sério como leva Suzanna — respondo, com certo afronte, apesar de não desejar uma briga.

— Suzanna é faixa roxa em jiu-jitsu, pratica tiro há anos, sem contar que está no tráfico há bastante tempo para saber se cuidar — pontua.

— Bom, não sou nada disso, mas sei me cuidar. — Comprimo os lábios e arqueio as sobrancelhas, mordendo um pedaço do pão com os ovos que coloquei.

— Eu começo. — Dom empurra mais um pouco a xícara vazia e apoia os braços nas pernas. — Até então, eu sabia que Otávio era financiado pelo tráfico de Morro Grande. Recentemente, descobri que ele é o próprio chefe do tráfico na comunidade, e que Caveirinha é apenas o testa de ferro. Além desse detalhe, eu sei que ele faz parte de uma organização que faz tráfico de armas. O senador está entre os cabeças dessa organização no nordeste.

— É só isso que sabe? — Olho desconfiada para Dom.

— Só. — Dom se empertiga no banco antes de continuar. — E sendo mais honesto ainda, eu sei que você sabe sobre essas coisas, porque conectei o seu aparelho novo ao meu no dia que dormi aqui. Me desculpe, mas estava muito preocupado com você.

A VIDA NO MORRO COMEÇA CEDOOnde histórias criam vida. Descubra agora