▓ CAPÍTULO SEIS ▓

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Dou um gole no café fumegante e observo do quinto andar, sem muito interesse, as crianças brincando na piscina do apart-hotel através da grande janela que permite a luz natural entrar abundante. A vista para o espaço gourmet não é uma maravilha, mas não deixa de ser agradável.

Finalmente chegou o dia que planejei há praticamente nove anos e que sonho desde que coloquei os pés para fora da casa de Sandoval. Até acordei tarde para encarar o fim de semana, porque estou desfrutando sem a menor pressa a sensação de não ter vínculo obrigatório com ninguém. Agora é somente eu e as minhas decisões. Quero que este momento seja saboreado com extrema tranquilidade. No entanto, logo percebo que não vai acontecer tão cedo quando vejo Otávio surgir no meu campo de visão, seguido por uma comitiva de funcionários do flat carregando uma infinidade de buquês de flores.

Exatamente. No tempo de fazer um café e tomar o primeiro gole, foi tudo por água abaixo. A cena só me parece uma grande palhaçada, chamando a atenção de todos por onde ele passa. Otávio é mestre em aparecer, talvez por isso seja político ou seja político por isso, acho que não faz diferença.

Respiro fundo ao notar que ainda precisarei de mais tempo e paciência para me libertar dele. Não posso ignorar que a minha vida na política depende de um bom relacionamento com o senador. Também me forço a lembrar que realizar minhas promessas de campanha são a minha prioridade no momento. Eu me tornei vereadora não apenas para ter um contracheque alto, mas para mudar, nem que seja um pouco a realidade do morro.

A ideia de fazer a diferença no mundo pode parecer piegas, juvenil ou sei lá o quê, eu não ligo. Só quero colocar a minha cabeça no travesseiro e saber que o meu mandato valeu a pena para a população de Belo Rio. É desesperador ver que as coisas simplesmente não andam na administração da coisa pública, mesmo com tanto dinheiro arrecadado com impostos.

Contrariada, eu olho ao redor da sala do flat enquanto aguardo Otávio bater à porta. O espaço comum, que não proporciona uma grande experiência de decoração, está longe de ser o tipo de imóvel que ele aprovaria para eu morar. A sala é suficiente para uma ou duas pessoas. Há um sofá de cor bege para dois lugares, uma mesa de centro com revistas em cima e uma pequena TV presa à parede. As cortinas brancas são simples, as paredes têm um tom neutro. Nada é muito atrativo ou elegante, o que para mim, serve o propósito de um bom apartamento.

Em poucos instantes ouço os nós dos dedos de Otávio batendo contra a porta oca de madeira e, preparando a minha paciência, abro-a com uma expressão simpática. Ao me ver, o senador alisa a sua barba me estudando através dos seus olhos miúdos com um ar inocente. Mesmo com tantos anos ao seu lado, vendo de perto os bastidores da política, ainda me pergunto como ele consegue manter esse olhar amigável sendo que é um verdadeiro lobo em pele de cordeiro.

— Bom dia, luz da minha vida! — diz abrindo um sorriso cheio de encantos, ele é muito bom nisso.

— Bom dia, senador Otávio Primmaz! — retribuo sem me deixar seduzir por sua capacidade de quebrar a resistência das pessoas. Não dá para cair nessa depois de tanto tempo sabendo que é uma arte que ele domina e não algo verdadeiro.

— Por que tanta formalidade? — pergunta com uma voz mansa.

— Por que tantas flores? — questiono sem conseguir evitar o sarcasmo, arrancando alguns risinhos dos funcionários que aguardam no corredor, mas Otávio não se deixa abater e continua o espetáculo.

— Percebi que eu nunca te dei uma rosa... — fala com teatralidade para parecer romântico. Eu sei que ele não é disso, apesar do esforço que está fazendo.

A VIDA NO MORRO COMEÇA CEDOOnde histórias criam vida. Descubra agora