▓ CAPÍTULO TRINTA E DOIS ▓

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O carro encosta na porta de casa, o motorista tenta me consolar uma última vez dizendo que ficaria tudo bem, que toda tristeza é passageira, mesmo sem saber do que se trata. Balanço a cabeça positivamente e saio, chorando ainda mais alto, conforme eu me aproximava da porta. Entro em casa descontrolada, afundando no sofá assim que bato a minha perna nele.

Encarando o teto de madeira da casa, continuo chorando em desespero total, até que vejo uma sombra na janela da sala, o que me faz parar um pouco. Fico com medo de ter sido seguida e não ter percebido, apesar de ter tomado precauções, além de ter me certificado durante o trajeto, e ter feito o motorista ir por ruas desertas para ficar melhor de notar algo estranho.

— Moça! — Uma voz jovem acompanha três batidas na janela.

— Oi? — pergunto, conseguindo me controlar melhor.

— Eu sou a sua vizinha — avisa, e abro a janela.

A garota de olhos castanhos curiosos, fita o meu rosto, avaliando curiosa a minha situação. Seu cabelo crespo vai até a altura da orelha, com os fios loiros caindo nas laterais do rosto. O pequeno nariz é salpicado de sardas por cima da pele branca e uma boca miúda.

— Você é a pessoa mais barulhenta que já vi na minha vida — diz, e imediatamente lembro da carta. — É, fui eu que colocou a mensagem embaixo da porta — admite, displicente, adivinhando os meus pensamentos. — Posso entrar?

Antes que eu responda, ela entra pela janela em três movimentos. Eu simplesmente me afasto, pensando o que ainda me falta acontecer por aquele dia e dou um riso incrédulo antes de esfregar as duas mãos na testa algumas vezes, enquanto a garota vai até o sofá cheia de intimidade com a casa.

— Posso te oferecer alguma coisa? Está com fome? — pergunto, sem saber ao certo o que fazer.

— Estou — responde no mesmo instante em que ouço uma mensagem de Dom chegar no celular. Ele avisa que irá trazer a janta, e peço para aumentar a quantidade, porque temos visita.

— Espera um pouco que a comida está chegando — digo, desligando o celular. Ela encosta as costas no sofá, se mostrando disposta a esperar. — Qual é a sua casa? — pergunto, olhando pela janela.

— A segunda do começo da rua.

Olho a residência de muro azul, e vejo tudo apagado.

— Seus pais já foram dormir? — pergunto conferindo a hora, e vendo que é tarde da noite.

— Ou... eles se mataram. Eu não saberia dizer. — Faz um dar de ombros.

— Brigam muito?

— Não como você e o seu namorado. Os meus pais tentam se matar, basicamente — diz com naturalidade, o que me deixa de testa franzida.

— Como ouve tudo o que acontece aqui, se estamos a uma rua inteira de distância, praticamente?

— Eu nunca estou em casa, fico na casinha do playground da pracinha aqui do lado. Também gosto de andar na sua calçada, para checar se os meus pais saíram e aqui é o melhor lugar para isso. Então, acabo...

— Entendi — interrompo. — Eles não se preocupam com você por aí, essa hora?

— Tenho praticamente dezesseis anos. — revira os olhos.

— O seu pai agride a sua mãe? — Ela bufa um riso.

— Ela que agride a casa. Não temos uma porta sequer funcionando, minha mãe quebra tudo... Ele só senta no sofá e aperta a cabeça, esperando o surto de ciúme dela passar. Quase não temos copos em casa, acredita? — Acho o comentário estranho da garota, mesmo assim, sorrio. — Eles passaram uma semana separados esse mês, mas voltaram. Tivemos uma semana de paz e agora, já voltaram ao normal — conta com naturalidade. — É, eles são bizarros — confirma ao parecer ler os meus pensamentos. — Sempre que vão transar, meu pai me manda comprar pão na padaria mais distante. Quando eu volto, estão feito dois idiotas.

A VIDA NO MORRO COMEÇA CEDOOnde histórias criam vida. Descubra agora