No estacionamento do prédio onde moro, o Solar Elegance, vejo o Mercedes preto de Otávio ocupando a sua vaga. Estranho a presença dele, eu tinha certeza que, com o clima entre nós dois, daria um tempo até retomar nossa relação como se nada tivesse acontecido. Cruzo o saguão do prédio, adornado por suas ferragens douradas nas soleiras e um piso brilhante de mármore.
O beijo de Dom me tirou um pouco da realidade, mas a presença de Otávio me lembrou do que acabei de descobrir sobre ele em um lindo jantar no farol. A energia do senador anda tão indigesta para mim, que conseguiu estragar algo impossível de ser arruinado, mesmo estando à distância. Gostaria de ser alguém fria para ter aproveitado ao máximo cada segundo da noite.
Agora, não posso me distrair com Dom para não perder o meu foco, que é um só no momento: acabar com esse circo entre Otávio e eu de uma vez por todas. Ouvi muitas verdades dolorosas há pouco e não cheguei até aqui para ser enganada pelo senador como uma criança ingênua. Preciso manter o pulso firme mais do que nunca.
Aciono o botão do elevador privativo e começo a subir. Ainda estou me acostumando com essa ideia de que ele abre direto no meu apartamento. Parece coisa de filme de Hollywood. Acho tudo tão chique e inacessível, como se eu fosse uma celebridade ou algo do tipo, o que não é bem assim.
Depois de deslizar até a cobertura do prédio, o elevador abre suas elegantes portas revelando o interior do meu apartamento. De imediato eu me deparo com Otávio sentado sobre o suntuoso sofá da sala de estar. Tenho a impressão de que ele me aguarda com um humor claramente péssimo.
O senador dá um gole no copo de uísque que tem em sua mão e afaga a barba com um olhar frio. Em um súbito pensamento, ao lembrar do beijo em Dom, me coloco na defensiva. Não é possível que ele saiba sobre isso, a não ser que esteja me seguindo, o que não é algo completamente improvável de acontecer.
— Resolveu sair um pouco? — pergunta de um jeito sonso, querendo mascarar o seu provável descontentamento por não me encontrar esperando por ele quando chegou.
— Sim — respondo sem entrar em detalhes, parada na entrada da sala.
— Onde estava? — indaga, fazendo parecer que não se importa muito.
— Visitando o morro. — Opto por me aproximar da verdade.
— Encontrando?... — ele deixa a pergunta no ar para que eu complemente.
— Velhos amigos — respondo de forma desinteressada, como se não fosse grande coisa.
— Parece ter sido uma boa noite. — Reconheço um sarcasmo sutil na voz do senador.
— Esclarecedora, com certeza — rebato sem me afetar com o seu incômodo dissimulado.
— Sobre o quê? — Otávio dá outro gole no uísque, mantendo o jogo de morde e assopra camuflado por uma conversa cordial.
— O quanto realmente quero o centro — esclareço com um sentimento de liberdade se apossando de mim.
— E o quanto você quer realmente o centro? — Mesmo sem mover um músculo, percebo que Otávio está muito interessado em saber.
— Na mesma medida que não desejo mais ficar com você — respondo apática, mantendo o meu olhar fixo no seu. — A diferença é que o centro é inalcançável, já o fim entre nós dois é uma realidade.
É, senador, a hora da verdade chegou.
— Continua delirando. — Sacode a cabeça em negativa, parece que esse é o máximo em que vou conseguir atingi-lo. Otávio está inabalável.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A VIDA NO MORRO COMEÇA CEDO
RomancePrêmio: 🥈Concurso Cerejeiras em Flor Traumas podem virar sonhos? Dalena e Dominic se conhecem na adolescência, depois que ela foge de casa para dar um fim aos abusos crescentes do seu padrasto, enquanto ele já trabalha para o tráfico. No entanto, a...