▓ CAPÍTULO VINTE E TRÊS ▓

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— Se Antônio Carlos estivesse aqui, te faria olhar para frente — informo, fitando um par de olhos azuis brilhantes que não saem de mim, irradiando felicidade.

— Ainda bem que ele não está — diz ao colocar a mão em minha perna e descer o olhar para o decote da minha camisa. — Podemos fazer uma parada antes do cinema?

— Sabe que não! — respondo um pouco eufórica. Em seguida, ficamos em silêncio, enquanto nos aproximamos do shopping.

— Dalena, estou sentindo que tem muita coisa martelando na sua cabeça depois da conversa com Antônio Carlos, mas eu te pedi que esquecesse tudo — Dom entra no assunto amistosamente.

— É que eu não paro de pensar que não deveríamos ter ficado longe durante esses anos, apesar de saber que você não era o único jovem demais para entender isso — digo com pesar.

— É sério, esquece isso... — Aperta a minha perna e me dá um beijo. — Vai mesmo dar um tempo do centro, não quer que eu construa?

— Se você construir, o centro só vai durar enquanto for o dono do morro, preciso de algo que dure e não que satisfaça o meu ego.

— Achei que tivesse concordado com Antônio Carlos sobre a questão de ir contra os interesses da facção — comenta, enquanto recebe o bilhete no estacionamento na entrada do shopping.

— Concordo até esse ponto, isso não significa que eu vou aceitar melhor a realidade. Acredito que posso encontrar um caminho sem tantos obstáculos. Nunca ouviu dizer que água mole em pedra dura, tanto bate até que fura? — Dom sorri sacudindo a cabeça em negativa.

— O que pretende?

— Você tem seus segredos, eu tenho os meus.

— Dalena... — clama, mostrando-se preocupado.

— Fica tranquilo, prometo que não vou afetar o seu território. — Entrelaço os meus dedos no dele.

— Você não tem jeito — brinca, com um olhar amoroso.

— Claro que tenho. — Sorrimos um para o outros, sabendo que não é completamente verdade.

— Eu sei que você vai conseguir, mas tome muito cuidado, tá bom? — assinto em resposta, enquanto ele estaciona. — Eu não quero que nada te aconteça por sua teimosia — alerta e me dá um beijo.

Repousando a testa na de Dom, vejo que o amor que sempre senti está ganhando muita força desde que nós dois o aceitamos como uma realidade. Apesar de me sentir assustada com a intensidade desse sentimento, eu me entrego à felicidade de ser amada e de amar alguém tão profundamente. Cada instante ao lado dele é como respirar melhor. A cada toque, a cada olhar, a cada suspiro compartilhado, aumenta a certeza de que somos um do outro.

Ao me comunicar com Henriqueta e Potira, descubro que elas já entraram juntas na sala de cinema. Na bilheteria, tento comprar duas entradas para a mesma sala. Infelizmente, a sessão em que estão já esgotou, além dos trailers estarem perto do fim.

— Nossa, combinei com elas e furei. Detesto isso — desabafo com Dom diante da atendente da bilheteria.

— Foi culpa minha, não fica chateada — Dom pede. — Por que não assistimos a outro filme e quando elas saírem, nos encontramos para um lanche — sugere, enquanto me abraça.

— Tem algum começando agora, moça? — pergunto.

A atendente aponta no sistema um filme brasileiro independente sobre os sons da natureza no bioma amazônico. A capa do filme é linda, de cara já se imagina o barulho produzido pelo passarinho da espécie cardeal, que estampa a imagem em um close que ele parece estar cantando.

A VIDA NO MORRO COMEÇA CEDOOnde histórias criam vida. Descubra agora