▓ CAPÍTULO TRÊS ▓

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A madrugada e o dia foram longos. Mexi na mochila diversas vezes, tentando me distrair, sendo completamente inútil. Fui obrigada a pensar sobre o meu futuro, o que é algo torturante de encarar, por mais que tente me manter forte. A realidade do que me espera não me dá motivos para ficar tranquila.

Voltar para a minha mãe continua não sendo uma opção e agora preciso deixar a escola. Ainda não me sinto preparada para enfrentar o mundo lá fora, e isso está me deixando muito ansiosa. Mas o que realmente me azucrina é saber que não terei nenhuma ligação com Dom daqui para frente.

O barulho dos alunos e funcionários fora do almoxarifado começa a diminuir aos poucos. Aguardo impaciente a hora de encontrar o meu guardião. O frio na barriga só aumenta com o passar do tempo, enquanto minhas mãos também vão ficando mais geladas. O nervosismo não me dá trégua, mesmo sabendo que ainda vai demorar para Dom aparecer.

A luz amarela do poste ao lado do ginásio atravessa a pequena janela acima dos armários, formando faixas douradas na parede branca. Um pouco mais cedo do que o habitual, o som de passos cautelosos se aproximando da porta alcançam os meus ouvidos, quebrando o silêncio da escola durante a noite. Meu coração passa a bater mais forte.

Os passos são interrompidos diante da entrada do almoxarifado. Ouço um movimento dentro da tranca. Dom chegar mais cedo me deixou pensando: será que está arrependido por ter me mandado embora ou é um sinal que deseja se livrar logo de mim? Com essas dúvidas tomando conta da minha cabeça, fico mais tensa a cada segundo. Espero a porta ser aberta, sem conseguir disfarçar minha aflição.

Ontem, Dom determinou que eu deveria deixar a escola, mas tenho esperança que aconteça uma mudança de planos de última hora. Depois de um pequeno clique, a fechadura é destrancada. Ao empurrar a porta lentamente, uma figura monocromática, bem diferente do colorido que traz a figura com cabelos ruivos com os apaixonantes olhos azuis, entra no almoxarifado. Meu corpo fica tenso e não consigo me mover. Já sei que estou metida em problemas.

Merda!

Merda!

Minha mente corre a mil, tentando entender o porquê desse nojento estar no almoxarifado. Dom teria entregado o meu paradeiro ou o mandado até ali? Com um olhar rápido, vejo suas mãos segurando dois pequenos arames, que devem ter sido usados para destrancar a fechadura. Paralisada, concluo que se ele invadiu, está aqui por conta própria.

Merda!

O garoto vem na minha direção com o seu fuzil de estimação pendurado no ombro. Sua presença horripilante inunda o almoxarifado, destruindo as minhas fantasias encantadoras com Dom. Coalhada me lança um sorriso arrogante e malicioso. Quando se aproxima, deixa o seu rosto a centímetros do meu, me fazendo aspirar seu hálito ruim, tornando mais difícil não fazer cara de nojo. Ele pinça com as pontas dos dedos uma mecha dos meus cabelos. Em seguida, escorrega a mão pelos fios até chegar ao meu queixo, castigando o meu ser com o atrito do seu toque repulsivo.

Eu não quero morrer...

Ele vai me matar...

Eu vou morrer...

— Eu sabia que você estava aqui — diz satisfeito por estar certo em sua suposição. — Teria vindo antes, mas tudo na vida exige paciência — escuto tentando entender melhor o que ele está falando.

O meu pulmão infla e esvazia com mais urgência, como se me faltasse o ar. Mesmo com a atmosfera contaminada, aspiro todo o oxigênio ao meu redor. Piscos os olhos freneticamente, sendo difícil os fechar por tantas vezes seguidas e continuar enxergando a mesma figura quando se abrem.

A VIDA NO MORRO COMEÇA CEDOOnde histórias criam vida. Descubra agora