É um fato que sou um desastre na cozinha e também levo uma eternidade para fazer qualquer coisa quando minha cabeça está cheia, como agora. Apesar disso, eu me sinto divinamente relaxada enquanto espremo as laranjas e olho para as cascas, que têm uma das minhas cores favoritas, junto com o azul, é claro. É engraçado como qualquer coisa me faz lembrar do Dom.
Ainda terminando de fazer o suco de laranja, ouço a porta da sala abrir e me apresso em avisar:
— Estou na cozinha!
Extraio o suco da última metade na máquina de espremer laranja e o despejo na jarra de vidro alongada. Ao me virar displicente para a deixá-la na mesa, meu coração sofre um espasmo ao se assustar com a presença de Otávio na entrada da cozinha. Ele está encostado na soleira, concentrando o peso do corpo no seu pé direito com as mãos guardadas nos bolsos da calça social que está usando.
Por um instante, o silêncio entre nós se intensifica e parece pesar no ar da cozinha. A tensão da nossa discussão no dia anterior no meu gabinete ainda nos envolve como uma névoa opressiva. Em um piscar de olhos, milhões de perguntas passam pela minha mente, cada uma delas incapaz de encontrar uma resposta satisfatória.
— Quem você está esperando para o café da manhã?
A pergunta do senador me lembra de Dom e opto por mentir para evitar problemas maiores.
— Não é da sua conta, mas fiz amizade com a vizinha. Ela quis me parabenizar pela minha coragem no plenário ontem. — Ele fez cara de poucos amigos, mas não questiona, e para não dar mais tempo dele pensar no assunto, eu me apresso em perguntar: — Como entrou aqui? — Seguro firme na alça da jarra de suco em minha mão.
— Todos abrem as portas para o amor, menos você. — Otávio sabe manter o controle emocional como ninguém, suas palavras não escorregam nem por um milésimo de segundo na raiva que está sentindo de mim.
— Amor... — Ouvir a palavra amor vindo de alguém como ele é realmente uma boa piada, mesmo que tenha um humor ácido, e abro um pequeno sorriso embasbacado.
— Dalena, eu estava muito chateado ontem... — diz, vindo em minha direção. — Mas eu entendo que você teve uma crise de ciúmes — ele conta outra piada, que dessa vez me provoca uma gargalhada com ares de insanidade.
— Ciúme?! Sério que você não percebeu que foi nojo, decepção, raiva... — Otávio se aproxima mais. — Não chega perto, Otávio. — Coloco a jarra de suco entre nós dois.
— Você está certa. Te deixei aqui sozinha sabendo que não estava bem, só não esperava que tivesse uma crise de insegurança por causa daquela franguinha — seu tom soa pateticamente compreensivo.
— Para. Para em nome de Deus, para. Não fala mais nada, por favor. Só sai daqui... — peço controlando o meu tom. Meus olhos ficam úmidos da cólera que sinto com o cinismo dele. — Por favor, vá embora e não volta mais.
— Aqui é a nossa casa, você é a minha noiva, é claro que vou voltar. Não vou te deixar assim, abalada. Precisamos conversar e resolver isso com maturidade. — Otávio toca os meus cabelos e o meu corpo se ouriça de pavor. — Foi uma crise imperdoável de ciúmes, mas o amor que eu sinto é maior que tudo isso.
— Não vamos casar, e aqui não é a sua casa. Você não me ama e estou repetindo isso sem a menor necessidade, porque sabe muito bem. — Empurro Otávio delicadamente.
Ele sorri fazendo parecer que eu não falei nada demais, como se fosse apenas uma cena para o desafiar e, na verdade, voltaria a ser tudo como era antes. Mas dessa vez, eu não iria ceder. Não podia mais permitir que Otávio fosse o meu dono. Eu passei da hora de tomar uma decisão definitiva, de acabar com o que tínhamos de uma vez por todas.
![](https://img.wattpad.com/cover/329903862-288-k639498.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
A VIDA NO MORRO COMEÇA CEDO
RomancePrêmio: 🥈Concurso Cerejeiras em Flor Traumas podem virar sonhos? Dalena e Dominic se conhecem na adolescência, depois que ela foge de casa para dar um fim aos abusos crescentes do seu padrasto, enquanto ele já trabalha para o tráfico. No entanto, a...