▓ CAPÍTULO VINTE E SEIS ▓

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— Segunda - feira, meu bem, achei que nunca mais fosse te ver — penso alto ao abrir os olhos, me despedindo do feriado prolongado mais perfeito que vivi. As saídas de Dom para resolver suas questões acabaram sendo um pouco inconvenientes, mas ele soube redimir a sua ausência a cada retorno.

Eu me espreguiço, afofando Branca em meus pés. Essa chácara parece a evolução do almoxarifado. Sou tão feliz quanto naqueles dias, antes de Coalhada destruir tudo, só que agora em um lugar que parece um sonho, onde é possível fugir realmente do mundo e ser feliz.

Dom ainda dorme ao meu lado. Ele não tem hora para acordar, já que não tem para dormir. No dia anterior, chegou de madrugada e apagou, esse feriado foi puxado para o dono do morro. Ele teve que se dividir entre os nossos passeios, assim como os seus negócios. Tentei aliviar o lado dele, mas fez questão de me tratar como uma rainha.

A luz do sol invade o quarto pelas janelas atrás de mim. A cabeça de Dom repousa sobre o travesseiro, colorindo a fronha branca com os seus fios ruivos. Ele parece tão inofensivo dormindo, com suas sardas pintando o seu rosto e os cabelos bagunçados.

Branca engatinha até o espaço entre nós, acordando Dom com o seu movimento. Ele passa o braço por cima dela, entrelaçando os dedos nos meus, fechando os olhos em seguida. Assim que o vejo volta a dormir, levanto-me disposta a enfrentar a vida. Essa semana promete muitos acontecimentos.

Em uma hora estou pronta para ir trabalhar. Pego a minha valise guardada ao lado da mala e, pela primeira vez, depois do desastroso encontro com Otávio no swing, eu penso nele. Talvez esteja na hora de comprar uma bolsa executiva nova, não quero ter nada que me traga a lembrança da sua existência.

Saindo do closet, eu me aproximo da cama, invejando a sorte que Branca tem por poder ficar mais algumas horas na cama com Dom. Afundo o colchão ao sentar ao seu lado para me despedir. Não queria despertá-lo, contudo, sei que ficará chateado se eu sair de fininho. Colo o meu rosto no dele e sussurro em seu ouvido:

— Dom..., estou indo para a Câmara.

— Queria te pedir para ficar, mas sei que será em vão — balbucia com a voz rouca. — Não pode pedir uma licença para lua de mel ou essas coisas?

— Nem somos casados. — Dou um risinho. Tento afastar o meu rosto e sou impedida. Dom me puxa para a cama. Caio por cima de Branca, que se afasta para abrir espaço.

— Podemos resolver isso agora — fala, ajeitando os meus cabelos. — Você disse que não queria que a gente se soltasse mais.

— Você é um maluco, sabia? — digo risonha.

— Não está levando o meu pedido a sério? — Dom roça o nariz no meu.

— Tem tanta coisa acontecendo...

— Sempre vai ter alguma coisa acontecendo, pelo menos comigo. — Dom encara o teto, soltando um suspiro pesado. — Vai falar em plenário hoje?

— Tenho outros planos.

— Otávio vai abafar tudo o que fizer, até achar que sua única saída é voltar com ele — observa. — Vi muito bem que o cara tem certeza que você vai arregar uma hora ou outra e me deixar.

— Isso foi para mexer com a sua cabeça — avalio. — Mesmo sabendo que ele vai querer derrubar tudo o que eu fizer, preciso tentar. E se não for Otávio, será outro. A política é um ninho de cobras, mas não se faz um omelete sem quebrar os ovos — tento tranquilizá-lo.

A VIDA NO MORRO COMEÇA CEDOOnde histórias criam vida. Descubra agora