6. AMIZADE

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A amizade e a lealdade residem numa identidade de almas raramente encontrada.
(Epicuro)
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Era o primeiro dia de apresentação para a série, no rooftop de um hotel na Barra da Tijuca. Novos trabalhos eram sempre revigorantes, mas eu estava com um friozinho na barriga, porque hoje com certeza a direção ia avaliar o entrosamento entre os atores e personagens. Eu sabia que eles não iriam me dispensar, já que fui a primeira atriz escolhida e eu raramente fazia testes, mas normalmente era uma possibilidade.

Eu ri enquanto estacionava o carro. A minha ansiedade era criada por mim mesma com essa mania de não saber quem eram os atores. O Mário, diretor, me achava doidinha, mas eu dizia pra ele que para ser ator a gente tem que ter um "que" de doido mesmo.

Resgatei meu roteiro no banco do carona, já estava todo marcado em marca-texto bem chamativo, e fui para o hotel carregando mil coisas como sempre: celular, bolsa, óculos de sol, de grau, papéis, bolsinha de make. Ufa! Como eu conseguia? Eu não conseguia. Acabei perdendo o cartão que a recepcionista tinha acabado de me dar e eu precisava dele para chamar o elevador.

- Oi moça, precisa de ajuda? - Alguém falou nas minhas costas.

Congelei no mesmo instante, eu conhecia aquela voz e ela me causava essa sensação: de falta de ar e coração acelerado. Nunca mais tínhamos nos cruzado, mas isso não quer dizer que eu não pensasse nele todas as noites e dias e que não sorria, e chorava também, com saudades dos momentos que passamos juntos.

Obviamente ele nem se lembrava mais - não como eu - mas de repente ele estava na minha frente (na verdade nas minhas costas) de novo e eu não sabia como agir.

- Leo? - Eu perguntei me virando. - Não imaginava te ver aqui.

- Oi. - Ele me cumprimentou com um sorriso suave. - Quer ajuda? - Eu ri, estava tão claro assim que eu estava toda enrolada?

- Não, só tô procurando o meu cartão de acesso pra subir no elevador. A recepcionista me deu há menos de 5 minutos. Como é possível?

- Eu até te emprestaria o meu, mas não é preciso. O seu está aqui. Olha! - Ele descolou o cartão do fundo da minha bolsa de couro.

- Te amooo! Você me salvou. - Eu disse animada.

Ele pareceu sem graça. Quando ele ruborizou percebi o que eu tinha falado e lembrei do quanto ele era tímido e às vezes literal demais, o que lhe conferia um charme único. Meu Deus! Eu lembrava de cada detalhe dele, até do jeito que ele coçava a barba, do sorriso e do tom da voz.

- Leo, vou ter que ir na recepção perguntar qual é o meu andar. - Eu mudei de assunto.

Perguntei onde era o auditório de ensaios da série e ele ficou me esperando. Talvez só quisesse ser educado. Será que estava hospedado aqui?

Depois que consegui guardar um pouco das coisas que eu tinha nas mãos, fui em direção ao elevador. Primeiro entrou um rapaz com um garotinho de uns 4 anos. Ele, muito levado, apertou os botões de todos os andares, até o meu: C, cobertura.

- Desculpem, eu me distraí e ele apertou todos os botões. Se quiserem esperar o outro elevador... - O pai sem graça nos informou do contratempo. O Léo logo se manifestou.

- Tá tudo bem. Vamos! - A porta do elevador fechou e eu pensei... Tudo bem pra quem? Será que ele ia descer no segundo andar? Porque eu ia até o cobertura parando em todos os 15 andares.

O pai e o pestinha desceram no terceiro andar. Minha expressão não devia ser das melhores.

- Relaxa! Crianças... - Ele quis me tranquilizar.

- Tem gente que deixa a criança fazer o que quer né? Mas tudo bem, eu também podia ter descido, fui na sua onda. - Eu brinquei com ele para aliviar o clima. Não queria que ele pensasse que eu odiava crianças (não sei porque eu estava preocupada com isso).

- Se você descesse não ia me fazer companhia. - Ele constatou e eu sorri.

- Isso! - Eu falei mais alto, como se ele tivesse revelado algo muito importante. - Me conta, como você tá? E as crianças? Devem estar enormes.

- Estão enormes, você precisa conhecer.

- Eles estão hospedados aqui com você? - Eu perguntei empolgada.

- Não, não. - Ele riu e eu não entendi porque estava se divertindo tanto com aquela pergunta.

- Vou te mostrar foto. - Não que precisasse, porque eu já os conhecia de cor pelo instagram, mas ele pegou o celular e assim fez.

- O Bento! - Me mostrou a foto enquanto o elevador abria mais uma vez. - Esse guri é agitado viu. A Martina é tão serena e ele veio no conjunto pra dar uma animada na casa. - Eu sorri e ele continuou a falar deles com amor e a me mostrar fotos da menina. - Eu brinco assim, mas os dois são uns amores. Tão carinhosos e inteligentes.

- Tenho certeza que sim. - Eu falei com ternura.

O elevador parou no 12⁰ andar e eu estranhei.

- O seu andar ainda não chegou? - Perguntei meio perdida.

- Não. É mais pra cima. - Ele respondeu e eu continuei o assunto.

- Eles estão com quantos anos? - Eu perguntei. Essa informação eu realmente não sabia.

- Três anos. Fazem quatro em outubro. Passa tão rápido...

Só quando o elevador parou no 14⁰ andar que eu percebi. Será que ele estava no elenco da novela? Não podia ser!

- Você sabe que tá indo pra cobertura? - Eu perguntei.

- Sim. Inclusive agradeço por me guiar. Como eu não perguntei onde era na recepção, eu com certeza ia me perder! - Ele riu.

- Tá rindo de mim? Você sabia que iríamos pro mesmo lugar. Fez de propósito! - Eu gargalhei, incrédula. Como ele não mencionou neste tempo que seríamos colegas de elenco?

- Eu não, você que não se interessa mais pelos colegas de trabalho. - Ele brincou e eu ri da expressão dele, satisfeito por ter me enganado.

- Não é nada disso! Eu pedi pra não saber quem era do elenco. - Fiquei na defensiva.

- Está vendo? Conhecimento é tudo nessa vida. - Ele gargalhou mais uma vez e me deu um empurrãozinho de leve pra implicar comigo.
Não resisti e sorri também.

- Então moço, já que estragou meus planos de não conhecer o elenco antes do tempo... Qual personagem você vai fazer? - Ele fez uma pausa com intuito de gerar um suspense, e gerou. - Fala logo! - Eu pedi, rindo da minha própria curiosidade infantil.

- Eu serei o Roberto. - Era o fotógrafo, protagonista que faria par romântico comigo.

- Tá brincando? - Eu disse surpresa. Fiquei pensando se eu tinha condições de lidar com essa proximidade. Eu não tinha.

- Não to.

- 90% das nossas cenas são juntas! - Eu constatei.

- Não parece muito animada. - Ele disse, parecia preocupado.

- Eu tô. - Tentei mudar meu tom de voz. - Temos muito trabalho pela frente e vai ser uma ótima parceria.

- E agora podemos ser aqueles amigos que prometemos há 3 anos atrás. - Ele disse olhando para os sapatos enquanto saia do elevador.

O AMOR DESPERTAOnde histórias criam vida. Descubra agora