10. FRIO NA BARRIGA

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Eu não sei, mas acho que a gente olha e pensa: "Quero pra mim". Mas dá um frio na barriga, um tremor, um medo de depender de alguém, de sofrer, de escolher errado, de lutar por algo que não vale a pena. Porque o coração nem sempre é mocinho. Foi por isso que corri, tentei fugir, mas quando tem que ser, não adianta, será.
(Caio Fernando Abreu)
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Eu achei que tinha problemas, mas o Leo: mulher alcoólatra, sogra morando junto e implicando com tudo? Pelo menos eu tinha paz quando chegava em casa. Minhas angústias estavam há um telefonema de distância e podiam ser ignoradas por um tempo.

Foi o que eu fiz em relação ao colégio da Bruna. Ignorei. Não fiz o pix. Na volta da viagem eu resolveria. Quem sabe em dois meses meu irmão conseguiria uma solução por si mesmo?

Com o Leo me senti segura pra dividir essas questões financeiras com alguém. Não me pergunte o porquê. Talvez fosse devido ao fato de estar obcecada por ele há 3 anos e achar ele o cara mais inteligente e sensato do mundo?

Sempre achei que seria julgada por não dar todo o dinheiro que eles me pediam, mas não. Ele achou um absurdo essa situação e por mais que fosse loucura da minha cabeça, a opinião dele me deu forças pra dizer o "NÃO" que eu sempre quis.

Ele dormiu recostado no vidro da van. Tinha uma expressão cansada, triste, eu não soube ao certo identificar. O silêncio perdurou. Tentei puxar assunto na primeira parada, ele respondeu monossilábico, talvez quisesse ficar sozinho, por isso se refugiou na van dos equipamentos, e eu estava atrapalhando.

- Léo, acho que vou voltar pra van das meninas, tá? Tô vendo que está precisando ficar sozinho. - Eu disse antes de entrar. Ele me olhou com aquele mesmo olhar triste de antes.

- Desculpa, eu tô muito chato, né? Mas posso te pedir uma coisa?

- Não, não é isso, mas tô percebendo que quer ficar sozinho. - Eu compartilhei meus pensamentos. - Mas pede.

- Eu ia te pedir justamente o contrário: pra ficar aqui comigo. - Ele fez beicinho. - Eu só tô quieto mesmo, preocupado. - Senti minhas bochechas ruborizarem e tentei disfarçar minha felicidade, afinal ele mesmo disse que éramos SÓ amigos. Ele queria minha companhia de amiga.

- Prometo fazer companhia no seu silêncio. - Eu disse enquanto ele me deixava subir primeiro na van.

No mesmo instante que sentei e olhei pra ele percebi a besteira que eu estava fazendo. Parece que eu tinha esquecido que pouco tempo antes a mulher dele estava me fazendo ameaças pelo instagram. Essa aproximação não era saudável pra mim e cheguei a conclusão de que, mesmo irracionalmente e sem ter conhecimento dos meus sentimentos por ele, ela tinha razões pra ter ciúmes e era culpa minha. Mulher tem sexto sentido e ela me via como uma ameaça.

Fiz uma promessa mental, de que da minha parte não haveria nenhuma aproximação, toque ou troca de olhares. Só conversas e trabalho. Ponto. Estava decidido. Nas gravações era fácil, teríamos algumas cenas picantes, mas eram muitas câmeras e pessoas em volta. Eu estava acostumada a lidar com isso. Não estava? Pelo menos é o que eu esperava.

Assim terminamos o trajeto, em silêncio, na companhia um do outro, como ele me pediu.

Chegamos tarde em Sertânia. As pousadas eram bem simples, não tinham quartos para todos em uma só, fomos divididos em dois, mas como estávamos esquecidos na van dos equipamentos acabamos ficando no mesmo hotel. Ele me levou até a porta do meu quarto com a minhas malas pesadas.

- Então é isso! - Eu levantei os ombros e fiquei em pé na porta. - A gente se vê amanhã nos ensaios?

- Não vejo a hora. Decorou os textos? - Ele perguntou com a voz cansada.

- Tô quase, vou tentar decorar agora. Eu não consigo ler no carro, me enjoa. Acho que você também não né? Não pegou no texto no caminho.

- Eu até consigo, mas confesso que estava sem cabeça. - Ele concluiu frustrado. Eu fiquei em silêncio, esperando ele se despedir, mas não era sua intenção. - Ou seja, não decorei quase nada... - Eu fiz uma careta, desaprovando. Ele riu sem graça. - Eu sei que tá tarde, são onze horas já, mas quer bater o texto? - Eu expirei todo o ar do pulmão, tentando me acalmar. Eu não conseguia dizer não pra ele, mesmo sabendo que deveria.

- Entra. Só tenho que tomar um banho, pra tirar essa poeira de viagem.

- Vai tomar seu banho, eu vou tomar o meu, trocar de roupa e venho aqui. Pode ser? Assim você fica à vontade. - Ele sugeriu.

Fiquei devaneando sobre o que aquilo significava. Será que ele tinha algum interesse? Ou estava com segundas intenções? Se ele tinha algum interesse, conhecendo os homens, era sexual e eu nunca poderia me envolver dessa forma. Então fui logo colocando minha promessa em prática.

- Leo, queria falar... é pra bater o texto né? Não sei se entendeu errado... - Fiquei pisando em ovos, procurando as palavras. Ele soltou uma gargalhada alta.

- Moça, tá tudo bem! A gente é amigo, fica tranquila. Eu te desrespeitei quando ficamos sozinhos no teatro? Ou na van? Mas olha, tá tarde mesmo, desculpa, eu fui incoveniente.

- Claro que não foi desrespeitoso, mas sei lá... Por que a gente tá cheio de dedos um com o outro e ficamos repetindo que somos amigos? - Eu coloquei a mão na boca, tentando conter uma gargalhada alta. - Vai lá e volta. Vai ser muito melhor bater o texto juntos.

Ele me deu um beijo doce na bochecha.

- Já volto então. - Ele riu, se contagiando com meu bom humor repentino.

Eu fiquei na soleira da porta. Olhando ele se afastar. Eu tinha um sorriso bobo no rosto. Fiquei esperando ansiosamente seu retorno.

O AMOR DESPERTAOnde histórias criam vida. Descubra agora