💔
Cuidado com a fúria de um homem paciente. (John Dryden)
💔Quando acordei ele já estava sentado na cama com o roteiro em mãos: óculos de grau moderno e mais gato do que quando foi pro Rio. Fiquei feliz, mas ainda estava chateada por ele ter ido embora sem falar comigo. Eu não devia, mas fiquei.
Me espreguicei, sentindo dor no braço, onde o Mário havia me segurado. Senti ódio. Eu não queria mais olhar na cara dele e nem renovar a série pra segunda temporada. Ele passou dos limites.
Fiquei ali deitada remoendo aquela sexta à noite, mas eu precisava levantar para estudar o roteiro também, principalmente aquela cena íntima que eu estava evitando pensar a todo custo. Teríamos o dia livre pra estudar e reunião com a consultora de intimidade.
- Acorda preguicinha! - O Leo me chamou, acariciando a lateral do meu rosto. Eu resmunguei, sonolenta.
- Bom dia! - Eu cumprimentei me sentando na cama.
- Tava cansada? - Ele perguntou. Eu me derretia com esse jeito carinhoso comigo. Ou era só coisa da minha cabeça?
- Não muito, dormi o dia todo ontem. - Eu expliquei. - Preciso estudar o texto.
- Vamos bater juntos! - Ele sugeriu.
- Eu ainda não li. Prefiro passar algumas vezes sozinha primeiro e depois fazemos juntos. - Eu disfarcei, fugindo daquela situação. Menti. Ele me olhou como se estivesse duvidando. - Preciso ir no banheiro. - Cortei o assunto e fugi para o banheiro. Não queria que ele me visse com bafo, descabelada e com a cara amassada.
- Você sempre foge de ensaiar comigo. - Ele falou mais alto para que eu escutasse. Não respondi.
Tomei um banho com calma, mas coloquei o pijama de novo, eu ia pular o café da manhã. Não estava com energia para encontrar o Mário.
- Ué, não vai tomar café? - Ele me perguntou de pé, pronto pra sair. Vestia um short e chinelos havaianas como um bom carioca. Acompanhei os seus movimentos ao vestir uma camisa de malha por cima do peito sarado.
- Vou ficar aqui quietinha! - Eu falei baixinho, enquanto me acomodava de volta na cama.
- Por que? Não pode ficar sem comer. - Ele sentou ali para ficar na mesma altura que eu enquanto falava.
- Não é isso, só não quero encontrar a equipe agora. - Eu expliquei, mas desviei o olhar, colocando o queixo entre os joelhos. Por um momento achei que ia chorar. Ele percebeu.
- Ei, tem algo errado. Você sabe que pode desabafar comigo né? - Se aproximou um pouco mais.
- Nada, tá tudo bem. - Eu menti.
- Não mente pra mim. - Ele insistiu e eu desviei o olhar do dele. - Psiu? Olha pra mim. - Eu virei a cabeça pra ele, mesmo assim não deixei que nossos olhares se encontrassem. Era um misto de sentimentos que estavam me deixando assim: a indisposição com o Mário, as consequências disso, mas também a saudade e o ciúmes, que mesmo sem querer, eu estava sentindo do Leo. Fiquei em silêncio.
- Eu entendo. Se quiser dividir comigo o que tá preocupando essa cabeça, eu tô aqui. - Ele tinha um olhar distante. Eu não respondi. - Olha, vou trazer alguma coisa pra você comer. Isso você não pode negar. - O seu tom de voz foi ganhando uma animação conforme ele falava.
- Tá bom. Tá bom. - Eu concordei, afinal eu estava morrendo de fome, só não queria ir até lá.
Achei que ela ia demorar, então me espalhei em cima da cama com meu roteiro em mãos. Só que ele voltou em quinze minutos. Atrás dele dois rapazes com bandejas, que foram cuidadosamente colocadas no aparador de madeira que ficava em frente a TV. Duas xícaras, dois pratos e talheres, além de comida para um batalhão. Levantei para conferir, o roteiro da cena em mãos. Ele sorriu pra mim.
- Obrigado. Um minuto! - Ele pediu pro último rapaz esperar e foi atrás da carteira. Tirou algum dinheiro dali e estendeu a ele, que sorriu satisfeito. - E aí, vai ficar feliz agora? - Se virou pra mim.
- Humm, como não ficar feliz com esse banquete? - Olhei pra mesa satisfeita.
- E você, que cena é essa que tá lendo aí? - Ele tentou puxar o papel da minha mão e eu endureci.
- Nada, me deixa. - Eu pedi séria, tirando do seu alcance. Ele se aproximou muito do meu rosto, nossas bocas a um palmo de distância uma da outra. Minha respiração ficou mais frequente. Nosso olhar fixo um no outro. Não me afastei. Ele sorriu, um sorriso sapeca. Me deu um selinho, se demorando um pouco mais enquanto envolvia meu lábio inferior com os seus lábios. Puxou o papel da minhas mãos e se afastou para ler. Senti meu rosto corar. Ele me beijou para me distrair. Mas o que aquilo significava?
- Ahh aquela cena, por isso você tá cheia de dedos. - Ele agiu como se não tivesse me beijado há 30 segundos atrás. - Fica tranquila, mais tarde tem reunião com a consultora. Ela vai nos ajudar com as técnicas e a gente também só vai fazer o que estiver confortável pra gente. Você sabe que aí eles sempre exageram e ela molda do jeito que vamos nos sentir bem.
Eu não respondi nada. Só assenti, ainda extasiada pelo beijo. Meus lábios formigando com a lembrança dos dele.
- Vamos comer? - Eu troquei de assunto e ele sorriu tímido. De certa forma, mesmo que contida, ele parecia se divertir com meu jeito.
Sentou na mesa e eu fiquei olhando pra ele em silêncio durante todo o café da manhã. Ele comia e de tempos em tempos sorria, balançava a cabeça. Daria tudo pra ler seus pensamentos. De repente a expressão dele mudou completamente. A leveza e felicidade foi sumindo aos poucos.
- O que foi isso no seu braço? - Ele perguntou, arregalando os olhos. Meu braço estava assumindo um tom amarelo com roxo escuro.
Meu impulso foi tentar esconder com as mãos. Ele se aproximou e puxou com delicadeza a manga do pijama. Dava pra ver claramente que as marcas tinha sido causadas por dedos. Mesmo sem querer comecei a chorar.
- Por isso você tá assim, não quer descer, encontrar a equipe. Quem fez isso? - Ele perguntou sério, a testa estava franzida. Depois balançou a cabeça e riu ironicamente. Eu continuei ali, tentando não dividir com ele a verdade. - Eu já até imagino, mas quero ouvir de você. Me conta, por favor. - Ele assumiu um tom calmo na última frase, seus dedos encontraram os meus na mesa. Eu afastei a mão e desviei o olhar.
- Não foi nada! - Eu disse fungando.
- Por que tá chorando então? Se tivesse sido consentido, algum fetiche absurdo, você não estaria desse jeito desde que acordou. - Eu arregalei os olhos.
- Não foi isso que tá pensando. Eu tô bem. - Eu disse, tentando parar de chorar para acalmá-lo.
- Então pode me contar o que foi? - Ele suavizou a voz, tinha carinho novamente nas palavras. Mesmo assim eu hesitei.
- Não se preocupa! - Ele tinha um olhar questionador. Não desistiu, ficou me olhando até eu falar algo. - A galera foi num bar sexta, o Mário estava lá, ele tinha bebido, se excedeu um pouco. - O olhar do Leo se inflou de raiva, ele cerrou os punhos na mesa, parecia tomado por uma carga de estresse. - Calma, por favor! Foi só isso, ele ficou insinuando umas coisas, eu não gostei e fui embora, ele segurou meu braço com muita força antes de eu entrar no Uber. - O Leo levantou da mesa e saiu pela porta. Eu desci de pijama atrás dele.
- Leo, pelo amor de Deus. Nós ainda temos 20 dias de gravação pelo menos. Eu só quero paz. - Eu fui choramingando atrás dele.
- Fica aqui. Você está bem? Precisa ir ao médico? - Ele parou no meio das escadas pra falar comigo.
- To bem. Eu juro. Eu só fiquei fragilizada por toda a situação. Mas o que você tá fazendo? O Mário nem deve estar aqui no hotel. Ele ficou no outro. - Tentei outra estratégia.
- Eu quero falar com ele. Ele estava aqui agora no café. - E continuou descendo as escadas. Desci atrás dele. No refeitório, na recepção, no jardim central, na rua em frente ao hotel, no estacionamento. Por fim ele abriu um carro, que parecia ser dele e saiu em disparada.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O AMOR DESPERTA
RomanceO amor desperta ♥️ Catarse. Lembranças. Medo. Alegria. Pânico. Felicidade. Insegurança. Companheirismo. Ciúmes. Vontades. Desejos. O amor desperta sensações que há muito tempo estavam adormecidas. Clarice Muller, ou Cici Muller como é conhecida, é...