7. SURPRESAS

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Nossas vidas são definidas por momentos. Principalmente aqueles que nos pegam de surpresa.
(Bob Marley)
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O Mário nos esperava na entrada, de braços abertos pra ela. Ele parecia já conhecer a Cici de outros trabalhos. Já eu, que estava solto e brincando no elevador, fiquei quieto esperando o cumprimento dos amigos terminar. Eu o conheci no teatro, nos encontramos na assinatura do contrato, mas não tínhamos intimidade. Era um cara de meia idade, cabelos grisalhos, sorriso frouxo e muito talento, diretor de tv respeitadíssimo.

- Cici! - Os dois se abraçaram. - Nem estou acreditando que você aceitou meu convite. Eu não devia, mas eu confio em você. - Os dois soltaram uma gargalhada alta.

- Claro que confia, você só não admite que me ama. - E aquele abraço não terminava e confesso que fiquei um pouco incomodado. Soltei um pigarro.

- Óbvio que já conhece o Leo, não é Mário? - Ela se manifestou. - Fiquei em choque quando o encontrei no elevador.

- Já, claro! Eu conheço meus atores, ao contrário de você dona Clarice, que não conhece os colegas de elenco. - Soltou outra risada alta e percebi que ele estava fazendo outra piada e não sendo grosso com ela.

- Ahh para, pura estratégia. Já fui muito zoada por esse moço aqui. - Ela se defendeu apontando para mim.

- Mas esse cara aqui é um diretor espetacular. - Ele me deu um tapinha nas costas. - Inclusive Leo, vamos mudar seu contrato? Quero que você dirija algumas cenas dessa 1ª temporada comigo. - Eu arregalei os olhos, não estava esperando aquele convite. Teatro era totalmente diferente de tv. - Você é fera no teatro, eu sou fera em tv. Fiquei pensando nisso ontem, eu quero trazer algo importante do teatro pra série: representar a história com poucos elementos, focando nas emoções dos atores. Vocês, como meus atores principais, darão vida a estas emoções. Estou animado em trabalhar com vocês. A Cici eu já conheço há séculos. Você Leo, vi o seu trabalho no teatro. Incrível! Incrível! - Ele ficou falando sem parar e ela dando pulinhos do meu lado.

- Obrigado Mário. Vamos ver sim, será uma honra. Nunca fiz direção de tv, mas acho que tem uma boa conexão aí. - Eu falei educadamente.

- Vamos almoçar hoje. Eu, você, Cici e a preparadora de atores, Bárbara. Falar nisso... vocês ainda não conhecem.

Marcamos o almoço e ele fez todas as apresentações, de equipe, câmeras, maquiadores, assistentes, produtores. Aquelas pessoas estariam envolvidas conosco nos próximos meses.

Depois ele nos reuniu para a primeira dinâmica de grupo, um improviso. Todos os atores andariam em círculos na sala e ao se encontrarem deveriam improvisar uma ação, que poderia ser um olhar ou um movimento, sem falas. Todos ali estavam habituados, era um exercício comum em aulas de teatro, um aquecimento.

Iniciamos. Eu concentrado nela. Parecia que todos ali estavam na sombra e só ela estava em evidência no palco. Iluminada para mim. No início ela pisava de leve no assoalho de carpete. Ria, feliz. Nos encontrávamos e ela fazia caretas. Eu fingia timidez ou revirava os olhos. A cada volta seus passos endureciam, a expressão se tornava mais triste e eu tentava cativá-la, tocar em suas mãos e ela fugia. Passamos por alegria, euforia, mágoas, tristeza, saudade e por fim plena felicidade. Uma verdadeira comédia romântica criada só com expressões. Fomos interrompidos com as palmas do Mário e percebi que só havia nós dois no exercício. Os demais pararam e não percebemos. Ou eu não percebi? Fica a dúvida.

- Bravo! Bravo! - Mário e Bárbara continuavam aplaudindo. - Vejo que nossos personagens principais tem química, não é Babi? - Mário pediu o consentimento da preparadora.

Eu corei e não devia. Era o meu trabalho. Ela sorria, sem deixar que seu olhar encontrasse o meu. Acompanhei o modo como ela ajeitava o cabelo. A língua contornando os lábios secos pelo exercício feito a pouco.

- Ahh Mário, você já sabia disso, senão nem teria nos contratado. - Cici falou, dando uma risada leve.

- Eu tinha minhas dúvidas. - Ele respondeu fazendo uma careta e riu. - Vamos que eu não tenho o dia todo! - Mário falou, pedindo movimento.

- Pri, começa formando uma fila aqui... - A Babi pediu para uma das atrizes. Já eu me distraí enquanto pensava se a Cici realmente achava que tínhamos química.

- Leo! Alô, planeta terra. - Quando vi ela mesma estava estalando os dedos na minha cara. - Forma a fila, você é o primeiro dos homens moço. - Olhei para o lado e os outros 4 atores homens estavam me esperando. A Cici como última da fila do outro lado.

- Oi! - Finalmente respondi, indo pro meu lugar.

- Quero você concentrado no aqui, agora! - Babi chamou minha atenção, desconfiada, mas com razão.

- Me concentrei até demais, não consegui sair do personagem. - Eu menti.

- Aproveita isso no improviso. - Mário nos interrompeu, direcionando o próximo exercício. - Agora vocês vão encontrar os seus parceiros e vão criar uma situação com fala. Caminhem no meio da fila e assim que a fila acabar, acaba o improviso. Vamos!

"Nossa vida nunca teve sentido, seu dotô. Esse sertão sufrido, imensidão sem água" - A atriz, Priscila começou, imitando um sotaque nordestino.

"Você é fibra, é força e eu vou te ajudar. Teus filhos não vão perecer de fome e sede." - Eu continuei com a voz embargada.

- Bora, próximo! - Mário falou alto. E assim foi. Cada ator criando um diálogo rápido, todos relacionados ao nordeste. Em um momento chegou minha vez e da Cici. Ela começou.

"Eu vou embora. Posso cumprimentar o Otto em outro momento." - Ela começou e fiquei paralizado. Ela lembrava daquela noite.

"Não se sinta obrigada por mim. Espero lá fora." - Eu continuei, sem saber muito bem o que estávamos fazendo, mas eu me lembrava de cada detalhe.

"De jeito nenhum. Vou entrar aqui assim e ainda te expulso? Não é de bom tom." - Ela sorriu e novamente mordeu os lábios. E suspirei, percebendo mais uma vez o quanto eu gostaria de beijá-la.

- Opaaa! Valeu. - Mário finalizou a dinâmica. É isso pessoal. Cici, Léo, estão liberados, mas me esperem pro almoço, se puderem. Os demais ficam mais 1h mais ou menos. Vamos fechar o elenco hoje... Todos terão oportunidade...

Eu parei de escutar o que ele estava dizendo. Me concentrei na Cici reunindo suas coisas e indo em direção ao elevador. Tive que ir até uma das cadeiras para buscar meu celular. Quando cheguei correndo ao hall do elevador ela já tinha descido. Fui pelas escadas, correndo, sem saber muito bem porquê eu estava indo atrás dela ou o que eu ia dizer. Quando cheguei a recepção, sem ar, a vi manobrando o carro e arrancando.

Com certeza não ficaria para o almoço.

O AMOR DESPERTAOnde histórias criam vida. Descubra agora