11. ACOLHIMENTO

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Acolher é alojar o outro dentro do coração.
(Valdir Almeida)
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Tomei um banho rápido, gelado, para cessar o calor sufocante que a cidade do interior de Pernambuco nos proporcionava, mas também para colocar as ideias no lugar.

Fui muito incoveniente em me convidar para bater texto com a Cici a noite, no quarto dela. O que eu tinha na cabeça? Ela estava me achando um tarado. Certeza! Mas o que eu faria? Agora eu tinha que ir, para provar que ela podia confiar em mim e que eu seria um bom amigo e colega de trabalho. Era o que ela precisava no momento.

Vesti uma roupa confortável e fui até o quarto 302, no mesmo andar, era só caminhar pelo corredor com varandinha. A porta estava encostada, com uma pequena fresta. Ela deve ter deixado assim pra eu entrar sem bater, mas não queria assustá-la. Dei leve batidinhas na porta de madeira detonada, chamando por ela. Nada. Abri a porta devagar. Vi de relance que ela estava na cama, dormia sobre o braço, de lado. Ressonava baixinho, o texto em uma das mãos, todo marcado com marca-texto chamativo. Olhei para ela admirado. Ela tinha tomado banho, vestia uma pijama rosa leve, todo cheio de corações vermelhos. Ri da escolha da roupa. Seu perfume era ainda mais notável, contagiava o ambiente. Como era linda, ainda mais dormindo. Tirei o texto da sua mão, liguei o ar condicionado meio capenga e a cobri com o lençol fino.

Fui até a porta, olhei para a chave única pendurada. Eu não podia deixá-la ali com a porta aberta. Eu tinha três opções: A chamava para trancar, mas tive pena de acordá-la; Ou trancava pelo lado de fora e abria de manhã. Impensável. Podia acontecer algo, um incêndio e ela ficar presa; Ou eu poderia ler meu texto na varanda do quarto dela e dormir naquele sofá duro e apertado, enquanto velava seu sono tranquilo. E assim eu fiz.

Acordei com a voz dela.

- Leo, você dormiu aí? - Ela me chamou baixinho, enquanto tocava levemente meu braço. - Poxa vida, esse sofá é muito desconfortável. - Ela lamentou.

Eu abri os olhos devagar. Um antes, outro depois, franzindo a testa incomodado pela claridade. Meu corpo já havia sido destruído pelo pequeno sofá. Me deparei com o rosto dela, estava agachada ao lado do sofá.

- Oi. - Ela falou comigo de uma forma fofa e sorriu. Aquele sorriso. Acabava de se tornar a melhor manhã da minha vida. - Você precisa acordar. Temos que encontrar a equipe pro ensaio daqui uma hora e quero tomar café. - Ela explicou e levantou rapidamente, criando um espaço entre nós.

- Que horas são? - Perguntei sonolento.

- 8h30. Cedo né? - Ela fez uma careta. Também estava com carinha de sono. - O que aconteceu ontem? Eu apaguei.

- Eu vim aqui pra gente bater o texto, mas alguém não me esperou, sabe? - Eu brinquei com ela, fingindo estar emburrado.

- Para de bobagem vai, você sabe que eu tentei. Desculpa. - Ela apertou os lábios. - Mas por que ficou aqui nesse sofá apertado? O que vai te salvar hoje é um Dorflex, se tiver sorte, porque o modelo do sofá é dor nas costas. Pode apostar. - Eu ri do seu bom humor. Ela se movia de um lado pro outro com aquele pijama de coração, reunindo roupas, maquiagens, textos, bolsa.

- Você deixou a porta aberta, moça! - Pisquei o olho pra ela. - Fiquei com medo de te deixar aqui sozinha ou de te trancar aqui.

- Obrigada. - Ela agradeceu, mas ficou me encarando. Por fim continuou. - Eu deixei aberta pra você e pensei "vou fechar o olho 1 minutinho". Você viu o resultado. - Ela riu. - Mas obrigada por... Me proteger. - Eu sorri tímido. - Olha eu vou tomar meu banho, se eu me atrasar vai ser culpa sua. Talvez sua parceira de cena já fique de mal humor logo cedo.

- Aí que você se engana, ela tá sempre sorrindo e vai me esperar. - Ela me deu língua e fez menção de entrar no banheiro. - Ei tranca aqui. - Eu apontei pra porta. Ela revirou os olhos, como se julgasse a si mesma pelo esquecimento. - Eu sei que você tá acostumada com cartãozinho, trava automática, mas dá um desconto né? Interior. Interior. - Ela riu e levantou os braços com sua melhor expressão de "Eu não falei nada."

- Te espero aqui na porta em 15 minutos? - Eu tentei combinar um horário.

- 15? Meia hora começa a ser aceitável.

- Tá bom. Tá bom. - Eu ri. - Vai ter que comer rápido.

- Ah é, senão já vamos levar bronca no primeiro dia. O Mário odeia atrasos e eu vou falar que a culpa é sua. - Ela me colocou pilha.

- Mas você tem precedentes. Ele não vai acreditar, já que eu cheguei 2h antes pra pegar o voo.

- 2h antes? - Ela cruzou os braços.

- Sim. - Eu levantei os ombros.

- Como você conseguiu isso, doutor pontualidade? - Ela colocou certa formalidade na voz ao pronunciar "doutor" e eu achei muito engraçado.

Depois me lembrei do motivo pelo qual eu tinha saído cedo e minha risada foi cessando aos poucos: eu tinha brigado com a minha sogra. A Amanda me expulsou de casa, então peguei minha mala e fui pro aeroporto. Depois ela ainda descobriu que a Cici estava na série, o que só piorou a situação.

- Ah, certos ambientes te repelem. - Ela torceu a boca, provavelmente sem entender o tom enigmático da minha frase, mas eu não queria alongar aquele assunto. Não era hora. Saí do quarto e fiquei esperando ela trancar a porta atrás de mim.

O AMOR DESPERTAOnde histórias criam vida. Descubra agora