♥️
Nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.
(Pablo Neruda)
♥️Eu sorri quando deitei na cama desconfortável daquele quarto de hotel. Lembrei da Cici nos ensaios mais cedo. O jeito dela era tão engraçado e fofo ao mesmo tempo.
Depois de eu ficar tão pouco a vontade com a ideia de beijá-la em cena, ela me beijou pra valer quando estávamos nós dois. Ela percebeu que eu estava tímido, talvez tenha tomado essa atitude para quebrar o gelo inicial. Deve ser isso! Ela não tinha vergonha como eu e não tinha porque ficar desconfortável em me beijar. Ela não sentia nada, estava fazendo seu trabalho. Já tinha beijado uns 50 atores antes de mim. Era normal, no beijo técnico o que valia era a ausência de sentimento e não beijar, ou não, pra valer.
Fiquei me sentindo um idiota apaixonado lembrando do beijo. Iludido. Preso a um casamento fracassado, expulso de casa e sonhando com o amor impossível da atriz. Eu sou um babaca! Meu pensamento deveria estar em consertar meu casamento, mas eu só conseguia lembrar dela. Eu tinha culpa, medo, angústia, todos os sentimentos ruins dentro de mim. O que mais me apavorava era ter que ficar longe dos meus filhos. Tentei ligar pra Amanda. Uma. Duas. Três. Dez vezes. Ela desligava na minha cara. Suspirei frustrado. Olhei pra mala, pensando em reunir minhas coisas e voltar pro Rio de Janeiro. Vi a sacola com os pacotes de balinha de goma que eu havia trazido. Eram pra Cici. Peguei e saí do quarto.
Bati devagar na porta dela.
- Entraa, tá aberto! - Ela gritou de lá de dentro. Em um primeiro momento não a vi. Depois ela saiu da varanda. Cabelo pro alto em um coque e aquele pijama de corações que eu amava.
- Entra? - Eu brinquei com ela.
- Eu sabia que era você né, seu bobo? - Ela me olhou e sorriu. Aquele sorriso, iluminava tudo.
- Por que tá de pijama?
- Ué, porque vou ficar quietinha aqui. Tô cansada. - Ela falou com uma voz manhosa e levantou os ombros.
- Vim te buscar pra gente jantar em algum lugar. - Ela fez uma careta, desaprovando a ideia. - A galera vai pra um bar aqui perto mais tarde.
- Eu não tô com muito carisma hoje. - Ela reclamou.
- O que houve? Problemas com a sua família de novo? - Eu perguntei querendo ajudar.
- Não, não é isso. Nem falei com eles de novo. Você tinha razão! E vou te falar, quanto mais eu nego dinheiro para eles, mais minha mãe e meu irmão me destratam. Mas eu nem estava lembrando disso. - Eu olhava atentamente pra ela, mas percebi que desviava o olhar.
- Desculpa. Não queria te fazer lembrar desses problemas. - Eu me arrependi de ter perguntado.
- Tá tudo bem.
- Eles não sabem a filha e irmã maravilhosa que tem. - Pisquei pra ela e ela mudou de assunto.
- O que você tem aí nessa sacolinha?
Ela era curiosa e moleca demais. Escondi as mãos atrás do meu corpo. Ela veio na minha direção tentando pegar as balas. Desviei brincando com ela. Levantei a mão tirando vantagem da nossa diferença de altura. Ela oscilava entre momentos emburrada e rindo. Eu subi na cama, ficando de pé e ela me acompanhou. Deu um tapa na minha mão, o que derrubou as balas todas na cama. Nos jogamos contra o colchão tentando pegar. O estrado velho de madeira cedeu e fomos no chão. O estrondo fez tremer o prédio. Ela caiu por cima de mim, com as mãos apoiadas no meu peito. Ela ria de chorar e eu também. Não conseguíamos levantar, de tanto que riamos.
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O AMOR DESPERTA
RomanceO amor desperta ♥️ Catarse. Lembranças. Medo. Alegria. Pânico. Felicidade. Insegurança. Companheirismo. Ciúmes. Vontades. Desejos. O amor desperta sensações que há muito tempo estavam adormecidas. Clarice Muller, ou Cici Muller como é conhecida, é...