2 - Freen

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A chuva despenca sobre o meu carro estacionado perto do set de gravações, formando cascatas volumosas pelas janelas. O som das gotas caindo me traz certo conforto, porém o sentimento é momentâneo. Não há como me sentir confortável com o bilhete que se encontra em minhas mãos.

"Eu estou sempre observando. Sempre observando."

Amasso o papel, mas as palavras continuam presas em mim. Lanço a bolinha mal feita dentro do porta-luvas, observo enquanto ela se molda às outras bolas de papel amassado, quase formando um castelo de ameaças.

Me concentro em inspirar o ar pelo nariz e expirar pela boca, até sentir que meu coração está voltando ao ritmo normal. O relógio denuncia que estou atrasada, mas não sinto pressa para entrar em cena. Atuar já foi uma das minhas atividades favoritas, hoje é apenas mais um fardo que eu preciso carregar.

Estico meu braço para pegar o guarda-chuva no banco de trás. Embora não queira, tenho que comparecer.

Preciso de poucos instantes fora do carro para perceber que o guarda-chuva não será suficiente. Xingo baixinho, pensando na bronca que irei levar ao aparecer atrasada e ensopada. Gostaria que a chuva tivesse começado mais cedo, assim poderia ter derretido o bilhete enquanto ele ainda estava preso em meu para-brisa, esperando que eu saísse de casa e o encontrasse para tirar meu sossego.

Corro pela rua, o que revela o tamanho do meu atraso: poucas coisas na vida me fazem ter o impulso de exercitar meu corpo. Por sorte, o local não está tão longe de mim, e logo vejo uma parte da equipe encarar uma Freen descabelada, vermelha e encharcada.

— Olá, Cinderela  — Saint me cumprimenta. Ele não parece bravo, está sorrindo dentro de sua capa de chuva amarela.

— Desculpe o atraso  — eu murmuro, unindo minhas mãos à frente do rosto para cumprimentá-lo. — Não vai mais se repetir.

Ele abana as mãos.

— Não se preocupe com isso. Quase todos se atrasaram hoje.

— As chuvas estão mesmo fortes  — eu digo, ofegando. Meu coração ainda está acelerado com minha corrida de 10 metros.

— Estão. Por isso hoje vamos priorizar as cenas internas do episódio 2.

— Certo — eu concordo. — Preciso me secar. Não estou nada parecida com Khun Sam.

Saint dá uma risadinha. Ele me guia pelo local, me levando a um ambiente coberto.

— Não se preocupe com isso. Os figurinistas e maquiadores farão um bom trabalho.

— Tenho certeza que sim — eu concordo. Aproveito para fechar o guarda-chuva, que se encontra menos molhado do que eu.

Apenas por estar no ambiente da gravação, já começo a sentir a energia de Sam querendo aparecer. É incrível a maneira como consigo me conectar facilmente com minha personagem.

— Ah, Freen? — Saint me chama, antes que eu adentre o apêndice onde se encontram os camarins. — Queria te pedir uma coisa.

Levanto meus olhos para ele. Está sério.

— Claro.

O produtor acena com a cabeça.

— Seja mais gentil com Becky. Não sei o que aconteceu entre vocês, mas isso fez com que quase a perdêssemos ontem. Não foi fácil convencer para que ficasse.

Becky. Eu estremeço. Rebecca Armstrong era um assunto do qual eu não queria tratar.

— Ela não desistiu, então.

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