16 - Becky

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Acordo sem saber que horas são. Tento erguer minhas mãos para coçar os olhos e reorganizar minha mente, mas meu movimento é contido por uma resistência estranha. Percebo que algo aperta meus pulsos e me dou conta de que são ataduras. Merda.

Não é um sonho, afinal. Confesso que alimentei certa esperança de ter vivido apenas um pesadelo louco que terminaria quando meu despertador tocasse, mas a lâmpada dependurada no teto e as enormes caixas jogadas no piso acimentado acabam com minha ilusão.

É real, eu fui sequestrada. Fui sequestrada e estou no porão de Freen. 

Porão de Freen... Esse foi o último pensamento que tive antes de me encolher no chão e apagar de novo. Não sei dizer se tinha algo na água que tomei ou se simplesmente meu corpo estava cansado demais para digerir tantas informações acordado, mas acredito que foi a segunda alternativa. Talvez o choque tenha feito meu cérebro desligar antes que eu enlouquecesse.

Não foi uma escolha sábia, afinal não sei quanto tempo se passou desde que encontrei os porta-retratos e me dei conta de onde estava. Qualquer chance de elaborar um novo plano de fuga se perdeu entre os nós das cordas que me amarram ao pé da maca.

A goteira continua pingando, provocando uma mancha no chão. Lembra um pássaro, e quase me convenço de que estou doida quando escuto um canto abafado. Aguço meus ouvidos e percebo com alívio que o som não vem da mancha, mas sim de algum pássaro que assobia em liberdade lá fora.

 Ao contrário de mim.

O canto é distante demais para que eu consiga identificar a espécie, mas o suficiente para me dar alguma pista de que já é de manhã. Tento me arrastar para ficar de pé, porém a maca parece de ferro. É pesada, e pela forma que fui amarrada, meu tronco fica sem mobilidade alguma —  não consigo desamarrar as ataduras ou me levantar, ainda assim tudo parece ter sido feito por alguém pouco profissional em sequestrar pessoas.

Suspiro. Será que esse é meu destino? Ser um daqueles nomes no quadro de desaparecidos  do jornal de quarta-feira, um pequeno retrato perdido aos outros ao fim dos créditos do programa?  Alguém que passa meses, talvez anos enfiada em um quartinho qualquer sem que ninguém saiba do meu paradeiro?

Balanço a cabeça. Isso é impossível. Freen e sua mãe vão voltar do hospital em breve, elas irão perceber que existe alguém jogada em seu porão como um item qualquer entre os pijamas velhos e móveis abandonados. A não ser que... 

Engulo em seco. A não ser que algo tenha acontecido a ela também. 

Luto contra o pensamento, mas ele parece tomar força dentro de mim. Preciso sair daqui, não apenas por mim mesma, mas para saber se Freen está bem. Mais difícil do que suportar a ideia de passar anos presa é pensar que ela pode estar sofrendo o mesmo que eu. 

O piso de madeira da casa estala em algum lugar acima da minha cabeça, anunciando que não estou sozinha. Acompanho o som dos tacos deslocados, os passos parecem ser de alguém com pressa. Sei que não é ela, porque vi naquele dia a forma como evitava pisar nas madeiras soltas, então apenas aguardo sem surpresa quando a porta do porão se abre e o tal mascarado desce as escadas em minha direção.

Ele traz uma maçã com água. Belo banquete.

Meu estômago protesta ao ver o alimento, é só nessa hora que percebo a minha fome. Os passos do homem são pesados e consigo escutar um som áspero quando ele expira. 

— Bom dia, princesa. — A mesma voz crepitante de antes me cumprimenta com a ousadia de unir as mãos em frente ao rosto, como se fosse meu amigo ou alguém digno de respeito.

— Não me chame de princesa  — eu rebato. Soa mais infantil do que eu gostaria.

Ele se abaixa e deixa os alimentos no chão.

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