9 - Becky

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Sempre achei curioso o fato de que a palavra paralelo apresenta significados ambíguos. 

Se você abrir um livro de matemática, certamente vai encontrar um conceito básico sobre duas retas que, no mesmo plano, nunca irão se tocar e manterão sempre a mesma distância entre si. Por outro lado, se abrir um dicionário ou um livro de português, vai achar uma definição figurativa sobre dois eventos parecidos que mantêm uma relação e seguem pelo mesmo caminho.

Encaro o roteiro à minha frente. É irritante o paralelo que GAP tem feito com a vida real, ou talvez nesse momento já esteja mais parecido com uma teia. Porque, ao contrário da versão matemática, esse paralelo se cruza e se toca infinitas vezes. 

Acendo a luz do abajur para ler novamente a cena que vou ter que gravar amanhã, na esperança de que as palavras mudem e tudo não tenha passado de um mal-entendido causado pela penumbra. Mas quando meus olhos se fixam mais uma vez no diálogo solo de Mon com Kirk, percebo que não adiantou. 

Não deveria significar nada, porém o dia de hoje foi estranho o suficiente para que a cena me deixe nervosa. 

Meu lado acadêmico me obriga a buscar alguma informação lógica para justificar o que estou sentindo. Estou com raiva, acho. Raiva por ter sido humilhada por Freen daquela forma, depois de ter passado o dia inteiro preocupada com ela. Ou talvez esteja decepcionada.

Certa vez alguém me disse que ninguém nos decepciona, somos nós que nos deixamos ser decepcionados. Na maioria das vezes, a decepção que temos com o outro não é nada além de uma quebra da expectativa que criamos em relação ao comportamento daquela pessoa. Por isso a decepção, na realidade, é apenas algo criado em nossa mente. 

Eu concordo em partes. Confesso que esperava ser tratada melhor, mas talvez Freen não se importe comigo tanto quanto eu me importo com ela. Ou ela dormiu mal à noite. Ela está com a mãe doente no hospital, como eu poderia cobrar qualquer tipo de atitude de alguém nessa situação? Mas se for isso, por que ela deixou Heng entrar e eu não...?

— Chega de especulações — resmungo a mim mesma. Deixo de lado o roteiro e me fixo ao enorme livro de psicologia jurídica abandonado em minha escrivaninha.

É melhor tirar o foco do universo fictício que está consumindo minha mente. 

Abro o livro no capítulo em que parei. Meus estudos andam um pouco atrasados, apesar de que tento focar sempre que encontro alguma oportunidade. Se vamos madrugar com GAP nos próximos dias, é bom que eu consiga adiantar alguma coisa hoje. 

Minha cabeça lateja na mesma hora, um protesto para que eu vá para cama e descanse. Essa rotina dupla ainda vai me custar um Bornout antes dos trinta anos. 

Deixo os olhos correrem pela página aberta. 

"A Psicologia Jurídica leva em conta os aspectos subjetivos das questões humanas, analisadas de forma objetiva pelo Direito. Dessa forma, ela considera o lado intelectual e emocional dos indivíduos envolvidos no processo e pode auxiliar na tomada de decisões importantes".

Por falar em lado emocional, decepção não é a melhor forma de descrever o que estou sentindo. Tristeza é um bom nome. Estou triste porque pensei que poderia quebrar a muralha entre nós. Pensei que deixaríamos de ser um paralelo, matematicamente falando, para nos tornar um laço de novo. 

— Foco, Becky — murmuro. Pressiono minha testa para espantar a dor e volto a ler.

"Assim, algumas áreas de atuação são a contestação de testamentos, guarda de menores e adoções". 

Ou seria... Ciúmes? Afinal, ele pôde subir, e eu não. Quando foi que se tornaram tão próximos assim? Até onde eu sei, no começo da tarde Heng nem sabia do paradeiro de Freen. 

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