12 - Becky

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Um sorriso nostálgico escapa de mim quando leio o e-mail  que Freen me enviou. Não consigo afastar da memória as cenas do dia em que ela considerou uma boa ideia pagar um quarto de motel para nós, e do quanto eu havia achado aquilo fofo. Ou do quanto meus pensamentos estavam confusos naquele dia.

Balanço a cabeça para voltar ao foco. Penso em me levantar da privada em que estou sentada e sair do banheiro do camarim, porque ainda há muito trabalho e o dia mal começou. Mas é difícil focar quando tem um bilhete espinhoso no meu bolso e uma pilha de dúvidas que só cresce. Meu desejo é que a correria faça as horas voarem para o momento em que vou encontrá-la e esclarecer tudo.

Mas só de pensar em sair desse banheiro para encarar Heng...

— Becky! 

A voz familiar de uma Nam preocupada me obriga a levantar. Batidas na porta acompanham o chamado de meu nome, quase partindo ao meio o pedaço de madeira. Abro um sorriso de lado com o desespero e me apresso a abrir antes que a coitada da porta não resista aos golpes. 

— Estou aqui — murmuro, me certificando de que ela não vai me bater sem querer.

Nam recua quando me vê e deixa sua mão pairar no ar.

— Becky! Pensei que você tinha morrido — ela exclama.  

Meus olhos caem e fitam os pés dela, sinto minhas bochechas corarem. Todos devem estar esperando por mim.

— Só estava ocupada com umas mensagens — esclareço. Aponto para o celular aberto em minha mão. 

— Sei... — Ela dá um passo à frente, enfia o nariz para dentro do banheiro e inspira o ar de forma exagerada.  — Realmente, não está fedendo.

Uma risada atravessa seus lábios. Reviro os olhos, sem deixar de sorrir também.

— Eu sou cheirosa — protesto com um soquinho em seu braço. 

— Ai! — Nam grita com uma careta falsa. — Não sou seu saco de pancadas. 

— Você está engraçadinha hoje — eu comento. Queria estar no mesmo clima que ela, mas não consigo.

— Eu sou sempre engraçada — ela afirma com uma piscadela. — Anda logo, lave essas mãos e venha. As crianças estão terminando de gravar e logo você entra com Heng. 

Dispenso o trabalho de explicar que não preciso lavar as mãos e abro a torneira.

Quando termino, sigo Nam pelo set até encontrar a área externa onde estão ocorrendo as gravações. Não preciso observar muito para perceber que Heng já está a postos no restaurante cenográfico, junto a Heidi. Meus esforços  de ontem para explicar o motivo pelo qual estou com tanta raiva dele foram em vão, mas basta que eu veja seu rosto para perceber que a intensidade desse sentimento não mudou. 

— Encontrei a fugitiva! — Nam exclama quando nos aproximamos dos dois. Me mantenho atrás dela, como se a mulher fosse um escudo. 

— Oi, Becky! — Heidi cumprimenta. Ela se levanta de seu assento e une as mãos em frente ao rosto. — Está tudo bem?

Aceno com a cabeça e retribuo o gesto, mas não digo nada. Apenas espero o diretor Nuttapong se aproximar para ditar ordens sobre os próximos passos, satisfeita em saber que primeiro irei começar com Mint a cena do episódio 6, quando Mon descobre o traidor da Diversity. 

A energia de Mon começa a tomar conta da minha corrente sanguínea. Pouco a pouco, meu cérebro adota um modo silencioso e dá espaço para as frases decoradas do roteiro, deixando aflorar as emoções e pensamentos da minha personagem. Sinto um alívio imediato ao calar minha mente barulhenta e  entregá-la à série, quase como se isso fosse uma droga da qual eu dependo. 

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